Abordar a seletividade alimentar com paciência e estratégias positivas é fundamental para ampliar a variedade de alimentos aceites pela criança.

Artigo da responsabilidade da Dra. Ana Catarina Correia. Nutricionista e nutricoach. Mestre em Nutrição Pediátrica

 

A seletividade alimentar em crianças é caracterizada por um comportamento alimentar restrito, onde o pequeno desenvolve preferências marcadas por certos alimentos e, ao mesmo tempo, recusa-se a experimentar ou aceitar outros alimentos. Além disso, é comum que essas crianças apresentem sensibilidade a certas texturas, cores ou odores, o que pode tornar a introdução de novos alimentos mais desafiadora.

Esse comportamento pode variar em intensidade e pode ter impacto na ingestão de nutrientes essenciais para o crescimento e desenvolvimento saudável. Abordar a seletividade alimentar com paciência e estratégias positivas é fundamental para ampliar a variedade de alimentos aceites pela criança.

CAUSAS COMPLEXAS

Uma interpretação equivocada – e muito comum – é de que a seletividade alimentar constitui puramente uma questão de mau comportamento, capricho ou “teimosia”. Contudo, as suas causas são muito mais complexas e variam de criança para criança.

As preferências e comportamentos alimentares desenvolvidos nos primeiros anos de vida moldam as escolhas alimentares na vida adulta, que se repercutem na qualidade da dieta.

Existem preferências alimentares inatas, que proporcionam desde início uma predisposição a determinados sabores e tipos de alimentos, nomeadamente a resposta positiva ao doce e ao salgado e a resposta negativa ao amargo. Estas preferências inatas podem ser modificadas por múltiplos fatores biológicos, sociais e ambientais, existindo ainda uma predisposição genética para a recusa de novos alimentos, que deve ser contrariada, de modo a impedir a evolução de um quadro de seletividade alimentar.

APRENDIZAGEM DE NOVOS SABORES

As preferências alimentares e a seletividade alimentar desenvolvidas durante a infância vão ser as bases das práticas alimentares futuras, ainda que possam sempre ocorrer alterações ao longo da vida. Posto isto, identificar os seus determinantes, possivelmente modificáveis, torna-se importante na intervenção precoce da promoção de hábitos alimentares saudáveis ao longo da vida.

A aprendizagem de novos sabores e o desenvolvimento de preferências começa no útero e desenvolve-se maioritariamente durante a primeira infância, através de experiências sensoriais, da oferta alimentar, do contexto envolvente, da influência dos media, entre outros.

A fase da introdução alimentar é considerada um momento de aprendizagem e de desenvolvimento dos sentidos. É recomendado que se inicie a introdução de alimentos aos 6 meses de idade. No entanto, estudos sugerem que, quanto mais cedo começa a introdução, maior é a aceitação de novos alimentos.

A seletividade alimentar pode desenvolver-se durante a introdução alimentar. Um dos processos associados à introdução alimentar é a exposição repetida. São necessárias várias exposições a um alimento até que este seja aceite. Ainda que não haja um consenso entre autores no número de exposições necessárias, o recomendado inclui-se entre as 6 e as 15 exposições. Este processo é denominado familiarização e demonstra ter um papel determinante na aceitação dos alimentos durante a introdução alimentar.

AMBIENTE POSITIVO À MESA

Durante a fase da introdução alimentar e ao longo de toda a fase de crescimento, um dos determinantes das preferências alimentares são os cuidadores/pais e o ambiente familiar. A influência parental é dos fatores com mais impacto a nível do desenvolvimento das preferências e de seletividade alimentar ou neofobia.

Uma das práticas parentais mais comuns durante a diversificação alimentar é descartar alimentos depois de verificada uma resposta negativa por parte da criança. Como resultado, muitos alimentos não passam pelo processo de familiarização e acabam por ser eliminados do leque alimentar.

O processo de familiarização e a diversificação alimentar devem andar a par durante esta fase. Pais que incentivam o consumo de todos os alimentos, enquanto proporcionam um ambiente positivo à mesa, influenciam a aceitação por parte das crianças.

A pressão, a restrição, a recompensa, a modelagem e a disponibilidade são alguns exemplos de práticas no que toca às refeições, com poder para condicionar toda a experiência alimentar das crianças. O uso de pressão para comer um certo alimento produz o efeito contrário, fazendo com que a vontade da criança para experimentar esse alimento diminua.

PEGAR E EXPLORAR

A criança que tem muita resistência em experimentar novas texturas pode mostrar também uma maior sensibilidade aos estímulos sensoriais, o que pode tornar a experiência de comer certos alimentos desagradável.

Da mesma forma, crianças que evitam brincar na areia, pisar na relva ou pegar em plasticina podem ter uma maior sensibilidade tátil e aversão a certas texturas. Se a criança não consegue sequer pegar ou tocar no alimento, porque lhe provoca náusea, vómito ou repulsa, será ainda mais difícil prová-lo. Sendo assim, é importante que a criança seja estimulada desde muito pequenina, de preferência ainda bebé.

Para um bebé e criança saudável, não faz mal se se sujar, se brincar na terra ou na areia… Tal é essencial, não só para entrar em contacto com diferentes texturas, como também para se expor a uma variedade de microrganismos e bactérias que ajudam a fortalecer o seu sistema imunitário. Na hora da refeição e fora dela, é importante que as crianças peguem e explorem.

Leia o artigo completo na edição de fevereiro 2022 (nº 324)