Os défices cognitivos surgem em 40 a 70% das pessoas portadoras de esclerose múltipla. A reabilitação cognitiva é uma abordagem não farmacológica que tem ganho crescente importância.

Artigo da responsabilidade da Dra. Alexandra Mendes. Neuropsicóloga do CRI EM (Centro de Responsabilidade Integrado de Esclerose Múltipla). ULS São José

 

A esclerose múltipla (EM) é a doença crónica, inflamatória e neurodegenerativa mais comum do sistema nervoso central, atingindo jovens adultos em plena vida ativa. A disfunção cognitiva ocorre em 40 a 70% das pessoas portadoras de esclerose múltipla (PpEM) e pode surgir precocemente, pelo que será fundamental intervir na avaliação e na reabilitação cognitiva no início do curso da doença.

A incapacidade física e a disfunção cognitiva da EM não afetam apenas a pessoa individualmente, mas também o sistema de saúde e a sociedade como um todo, atendendo à sua repercussão na diminuição da produtividade do doente e respetivo cuidador, bem como pelo desemprego e/ou reforma precoce.

DISFUNÇÃO COGNITIVA

Os défices cognitivos surgem mesmo nas fases iniciais da doença, podendo aparecer antes ou até na ausência da incapacidade motora – numa doença em que o foco está tradicionalmente centrado nas incapacidades físicas –, o que apela para a necessidade da monitorização cognitiva.

O QUE SE PASSA NO FUNCIONAMENTO COGNITIVO NA EM?

Em situações normais, qualquer pessoa saudável, quando está muito cansada ou ansiosa ou até mesmo deprimida, sente que a sua capacidade de se concentrar e a sua memória podem não funcionar normalmente. Mas quando a fadiga ou os fatores emocionais que interferem na cognição desaparecem, o seu desempenho cognitivo retorna ao nível normal.

Na EM será diferente porque as lesões cerebrais podem lentificar o desempenho de uma pessoa em tarefas que exijam cognição, como por exemplo a recuperação da memória.

QUEIXAS DE ATENÇÃO – É frequente no quotidiano de uma PpEM existirem queixas de atenção: terem de ler duas ou três vezes o mesmo e ficarem com a sensação de que “não retiveram nada”; sentirem dificuldade em falar com alguém num ambiente em que haja barulho ou outras conversas; “não consigo lembrar-me onde pus as chaves” quando provavelmente não prestou atenção ao local em que as deixou; não conseguir fazer duas coisas ao mesmo tempo, por exemplo, cozinhar e ouvir música.

ALTERAÇÃO DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS – A PpEM apresenta igualmente queixas de alteração das funções executivas. Por exemplo: “vou ao quarto para ir buscar algo, se me distrair com qualquer coisa pelo caminho, chego lá e já não sei o que ia fazer”; ou “se for interrompido, tenho dificuldade em retornar ao que estava a fazer”.

DIFICULDADE EM FAZER PLANOS E RESOLVER PROBLEMAS – Estes doentes também sentem dificuldades em fazer planos e resolver problemas. É ainda difícil flexibilizarem-se perante obstáculos que possam surgir inesperadamente, não conseguindo, em tempo útil, gerar as mudanças necessárias para continuarem em direção ao objetivo.

DIMINUIÇÃO DA VELOCIDADE DE PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO – Uma das queixas mais frequentes reflete a diminuição da velocidade de processamento de informação, quando dizem que “parece que demoro mais tempo a pensar, a decidir”.

ALTERAÇÃO DA MEMÓRIA – As queixas de alteração da memória também estão presentes, como quando referem “tenho de escrever tudo em papelinhos” ou “se me explicarem algo, passado um tempo não me lembro”. Outra queixa que ocorre é a dificuldade em encontrar a palavra certa, dizendo muitas vezes que sabem o que querem dizer, mas “a palavra não sai, parece que está na ponta da língua”.

Em suma, as funções cognitivas mais frequentemente comprometidas são a atenção complexa, a velocidade de processamento da informação, a memória e aprendizagem, as funções executivas e as capacidades visuais-espaciais.

REABILITAÇÃO COGNITIVA

A reabilitação cognitiva (RC) é uma abordagem não farmacológica, com a vantagem de não ter efeitos secundários. Globalmente, existem duas abordagens diferentes da RC:

Abordagem restaurativa, que visa fortalecer e restaurar capacidades cognitivas (treino cognitivo); e

Abordagem compensatória, que visa compensar as dificuldades cognitivas através do emprego de vários recursos, como, por exemplo, o uso de alarmes e “check-lists” (listagens de tarefas diárias).

Leia o artigo completo na edição de fevereiro 2024 (nº 346)