Todos nós, em algum momento da vida, já ouvimos ou proferimos expressões como “isto dá-me uma urticária!”, “estou com urticária”, aplicadas a situações pouco graves do nosso dia a dia. A longo prazo, a banalização deste tipo de expressões e situações fez com que, hoje em dia, situações graves de doentes com urticária continuem a ser desvalorizadas, resultando num agravar da doença, falta de apoio médico e de medicação adequada.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Mónica Albuquerque. Presidente da APUrtica

 

 

A DOENÇA

A urticária é uma doença que se caracteriza pelo aparecimento de lesões avermelhadas na pele, manchas ou babas com relevo, de cor avermelhada, que provocam, na maioria dos casos, muita comichão (prurido), podendo ser acompanhadas de calor e/ou sensação de queimadura, que habitualmente desaparecem após pressão.

A urticária é a manifestação de um grupo muito heterogéneo de doenças. As lesões de urticária aparecem e desaparecem sem deixar vestígio, duram no máximo 24 horas, mas são recorrentes, aparecendo em diferentes locais do corpo.

Estas manchas têm dimensões variáveis e podem surgir em todo o corpo ou apenas em alguns locais, e podem começar em casos pouco graves e alastrar com o tempo a zonas mais extensas do corpo.

Quando há envolvimento das estruturas profundas da pele, podem surgir lesões com inchaço (angioedema), principalmente em zonas sensíveis, como os lábios e pálpebras.

Quando a urticária dura até 6 semanas, designa-se urticária aguda, mas se durar mais de 6 semanas, então, trata-se de uma urticária crónica.

DOENÇA CRÓNICA

A urticária crónica pode ser induzida (UCI), se um fator externo, físico ou não, for identificado; e urticária crónica espontânea (UCE), quando não se identifica um estímulo externo.

Existem, assim, urticárias crónicas induzidas pelo frio, pela pressão, pelo aumento da temperatura corporal, pelo contacto com a água, etc.; enquanto no caso das urticárias crónicas espontâneas, os estudos referem que na sua génese poderá estar uma base autoimune/autoinflamatória.

Dos casos de urticária crónica, cerca de dois terços são UCE, na qual há uma “resposta exagerada da pele” que pode durar meses ou anos, não sendo possível saber, para cada doente, quanto tempo vai durar a sua urticária.

Infelizmente, esta doença permanece ainda desconhecida de grande parte da população, que tende a desvalorizá-la e muitos doentes demoram anos a ter um diagnóstico e tratamento correto.

Não existem estudos para o impacto desta doença em Portugal. Cerca de 20-30% da população mundial pode ter urticária, pelo menos, uma vez na vida. A maioria dos casos é de urticária aguda, com resolução em menos de 6 semanas. Cerca de 1% da população geral tem urticária crónica.

O IMPACTO

Um doente com sintomas de urticária deve consultar um médico especialista imunoalergologista e/ou dermatologista, a fim de realizar o tratamento segundo o protoloco internacional de tratamento da doença, descrito em artigos científicos.

O impacto na sua vida é enorme, não só pelo mal-estar permanente, pela falta de concentração para todas as tarefas do dia a dia, mas também pelo impacto que tem na autoestima do doente, pelo impacto nas relações familiares e sociais, pelo impacto nas relações laborais derivadas do absentismo que a doença provoca, entre outras.

DE DOENTE A PRESIDENTE

Em 2017, apareceram-me as primeiras manchas. Fui mal diagnosticada, como tendo uma pequena alergia, que foi agravando e alastrando no meu corpo. Em 2 anos, tinha diariamente o corpo todo manchado, em ciclos de 24 horas (acordava sem manchas e adormecia à noite com o corpo todo manchado). Em 2019, e já com dores associadas à inflamação do corpo, passei finalmente a ser seguida por uma médica imunoalergologista especialista em urticária crónica, a qual se apercebeu da gravidade do meu caso e não descansou enquanto não encontrou o tratamento adequado que me devolveu a qualidade de vida.

Na urticária, cada caso é um caso, o tratamento que resulta para um doente não resulta para outro, e o tempo de resposta à medicação também difere. É preciso persistência. Para mim, foram 4 anos de muito sofrimento.

Desde a primeira consulta com a minha médica que trocámos ideias de como este percurso era tão longo para todos os doente e na falta que fazia ter um apoio diferente. Foi assim que coloquei mãos à obra, primeiro efetuando divulgação da doença nas redes sociais, depois criando o crowdfunding e, finalmente, juntando uma equipa que permitiu a criação da APUrtica – Associação Portuguesa de Doentes de Urticária, em Janeiro deste ano, e a constituição dos primeiros órgãos sociais.

O PAPEL DE UMA ASSOCIAÇÃO

A APUrtica é uma Associação de direito privado e interesse público, sem fins lucrativos, políticos ou religiosos, criada com o objetivo de representar e defender os doentes de urticária em Portugal, contribuir para melhorar a sua qualidade de vida, aumentar a visibilidade da urticária crónica, promover iniciativas de índole educacional, despertar o interesse para e colaborar na investigação, entre outros.

Os doentes que queiram associar-se poderão fazê-lo na página www.apurtica.pt.

Como primeiras atividades, elaborámos uma extensa lista de médicos que, em Portugal, aplicam o protoloco internacional para o tratamento da urticária e temos já auxiliado doentes que procuram a Associação por considerarem que o seu caso não está a ser bem acompanhado. Também realizámos ações de divulgação nas redes sociais e comunicação social. Participamos ativamente no Chronic Urticaria Patient Organization Council, um Conselho Internacional onde fazemos ver a entidades internacionais a realidade dos doentes de urticária em Portugal e as dificuldades que enfrentam. E dinamizámos o Conselho Médico previsto nos estatutos e que conta atualmente com 10 médicos de Norte a Sul de Portugal Continental e das ilhas.

O FUTURO

A grande maioria das pessoas considera que a urticária é uma pequena irritação na pele, criada por contacto com algo urticante. Isto não deixa de ser verdade, mas ocupa o espaço na opinião pública, não permitindo que a doença urticária crónica de origem autoimune tenha visibilidade e seja sempre desvalorizada.

A urticária crónica, em casos graves, é incapacitante, não é um capricho nem um ataque de comichão. Por vezes, impede a pessoa de descansar convenientemente, com todos os problemas inerentes. São necessárias campanhas públicas de sensibilização e a Associação pretende realizar um trabalho também nesta área, de forma a facilitar o percurso de outros doentes.

As seguintes prioridades são fomentar junto das entidades competentes do setor público o reconhecimento da urticária crónica como doença crónica; estabelecer protocolos de cooperação com associações congéneres e parceiros da indústria farmacêutica; e a colaboração no primeiro estudo epidemiológico de urticária crónica, onde se prevê avaliar o impacto social, económico e profissional da doença, o absentismo, o estado de saúde e todos os aspetos que os doentes considerem relevante mencionar no estudo.

Leia o artigo completo na edição de novembro 2021 (nº 321)