Apesar de crónica, a doença inflamatória intestinal não tem de ser vivida com pessimismo e como uma fatalidade, mas sim com qualidade de vida. Com a terapêutica adequada, uma alimentação saudável, exercício físico e informação, acredito que é possível “ser feliz com DII!”
Artigo da responsabilidade do Dr. Francisco Portela, membro da Direção do GEDII – Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal e da Comissão Científica da APDI – Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino, Colite Ulcerosa, Doença de Crohn
A doença inflamatória intestinal (DII) é uma doença que, tal como o seu nome indica, se caracteriza por um processo inflamatório que atinge a parede intestinal. Agrupa no seu interior duas entidades com pontos comuns e aspetos divergentes: a colite ulcerosa e a doença de Crohn.
Na primeira, a colite ulcerosa, o processo inflamatório encontra-se localizado no intestino grosso, atingindo o reto e parte variável do cólon. A segunda, a doença de Crohn, embora podendo atingir qualquer segmento do tubo digestivo, encontra-se mais frequentemente localizada na porção mais distal do intestino delgado (íleo) e cólon adjacente.
Aumento na incidência e prevalência
A doença inflamatória intestinal inclui-se nas denominadas doenças imunomediadas, um grupo de patologias que pode atingir diversos órgãos e sistemas do nosso corpo e nas quais se encontra um processo inflamatório, sem causa aparente, e que, de algum modo, parece dirigido contra o próprio organismo.
Este grupo de doenças tem registado, nos últimos anos, um aumento na incidência (número de novos casos) e prevalência (total de pessoas atingidas), que no caso da DII deverá atingir cerca de 30.000 portugueses.
Este aumento, registado durante as últimas décadas do século XX nas áreas de maior incidência (Norte da Europa, EUA, Canadá), atinge atualmente zonas tradicionalmente de menor incidência, tornando-a num problema global.
Apesar de não haver uma explicação definitiva para este fenómeno, é facilmente reconhecível o paralelismo entre a generalização de um estilo de vida “ocidental”, caracterizado, entre outros, por novos hábitos alimentares, mas também por melhores padrões de higiene e o crescimento nos índices de incidência destas patologias.
Novas armas terapêuticas
Felizmente, este aumento na incidência e prevalência tem sido acompanhado, sobretudo nas últimas duas décadas, pelo aparecimento de novas armas terapêuticas, que têm permitido controlar a doença e devolver qualidade de vida à grande maioria das pessoas diagnosticadas com colite ulcerosa e doença de Crohn.
Apesar da investigação levada a cabo não ter conseguido determinar a causa precisa destas doenças, permitiu, ainda assim, avanços significativos no conhecimento das vias inflamatórias determinantes para a sua génese e manutenção. Este conhecimento, aliado à tecnologia que permite produzir anticorpos em escala industrial, esteve na base do desenvolvimento de medicamentos capazes de bloquear o processo inflamatório em vários pontos considerados determinantes.
Esta classe de fármacos é, muitas vezes, agrupada sob a designação de “terapêutica biológica” e foi iniciada, na DII, com o lançamento do infliximab em 1998/99. Após o infliximab, seguiram-se outros fármacos com mecanismo de ação similar (adalimumab e golimumab) e alternativo (vedolizumab e ustecinumab). A estes é provável que se juntem outros medicamentos biológicos e uma nova classe denominada “pequenas moléculas”, das quais o primeiro exemplo, tofacitinib, foi recentemente aprovado para o tratamento da colite ulcerosa.
Abordagem moderna
Este desenvolvimento vertiginoso de novos fármacos não deve, no entanto, fazer-nos pensar que o mais recente é sempre o mais adequado e que a terapêutica da doença inflamatória intestinal se esgota ou limita à prescrição de novas moléculas.
Uma abordagem moderna da doença inflamatória intestinal deve basear-se em centros de referência, dispondo de equipas multidisciplinares, englobando gastrenterologistas, cirurgiões e outros profissionais de saúde, e deve considerar o doente nas suas múltiplas vertentes, dando também atenção, entre outros, a aspetos nutricionais e psicológicos.
Muitas vezes, irá acontecer que o que o doente mais precisa e o que mais rápida e eficientemente lhe restituirá a tão almejada qualidade de vida é uma intervenção cirúrgica ou, apesar de a doença estar em remissão, persistem dúvidas e incertezas cuja resolução não depende de mais medicamentos com poder anti-inflamatório.
O seu seguimento em centros de referência assegurará que a assistência é prestada por médicos e outros profissionais com experiência em doença inflamatória intestinal, que em cada momento irão sugerir a estratégia terapêutica mais adequada, utilizando os fármacos mais modernos, logo que eles se tornem indispensáveis, mas também evitando expor o doente a possíveis efeitos secundários, sempre que tal seja desnecessário.
Leia o artigo completo na edição de maio 2021 (nº 316)
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