Cancro ou tumor maligno é o termo médico utilizado para denominar um vasto conjunto de doenças caracterizadas por um crescimento anormal e descontrolado das células. Quando o cancro tem origem nos órgãos reprodutores da mulher, denomina-se de cancro ginecológico, englobando por isso os cancros do colo do útero, endométrio, trompas de Falópio, ovário, vagina e vulva. Cada um destes tipos de cancro é único, na medida em que apresenta diferentes sinais e sintomas, fatores de risco, tratamento e prognóstico.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Filipa Silva, médica oncologista na Unidade de Ginecologia da Fundação Champalimaud

 

 

De todos os cancros ginecológicos, o cancro do colo do útero é o único com uma estratégia eficaz de prevenção (vacina HPV) e de rastreio (exame papanicolau/citologia do colo do útero e teste HPV), possibilitando assim a redução da incidência desta doença e a possibilidade de um diagnóstico precoce para o qual podemos oferecer um tratamento mais eficaz. Para os outros tipos de cancro ginecológico, para os quais não existe nenhuma estratégia de rastreio validado, é muito importante que a mulher tenha a capacidade de conhecer o seu corpo para reconhecer sinais de alarme, e também que se informe dos potenciais fatores de risco para o desenvolvimento destas doenças.

O cancro do endométrio é o cancro ginecológico mais frequente em Portugal, ocorrendo na maioria dos casos em mulheres com mais de 50 anos. O principal factor de risco para o seu aparecimento relaciona-se com o excesso de estrogénios em circulação que ocorre em situações como obesidade, menarca precoce, infertilidade, menopausa tardia ou utilização de terapêuticas hormonais de substituição. Cerca de 90% destes cancros manifestam-se por uma hemorragia uterina anómala, habitualmente em estádios iniciais de doença.

O cancro do colo do útero é o segundo cancro ginecológico mais frequente em Portugal, surgindo habitualmente em mulheres com mais de 40 anos. A principal causa para a sua ocorrência é a infeção persistente pelo vírus do papiloma humano (HPV) de alto risco, que se transmite sexualmente. A vacina contra o HPV, que protege contra os principais subtipos de HPV relacionados com o cancro do colo do útero, é a principal arma que temos para prevenir o seu aparecimento.

Em paralelo, o rastreio é fundamental para o diagnóstico do cancro em fases muito iniciais e também para o diagnóstico de lesões pré-malignas para as quais existem tratamentos extremamente eficazes.  Os sintomas mais comuns incluem: hemorragia vaginal anormal, que pode acontecer após relações sexuais, entre períodos menstruais regulares ou após a menopausa, e ainda queixas de corrimento vaginal anómalo ou dor durante as relações sexuais.

O cancro do ovário é o cancro ginecológico mais letal, com a maioria dos casos diagnosticados em mulheres com mais de 50 anos e geralmente em estádios avançados. É habitualmente conhecido com o “cancro silencioso” uma vez que os sintomas surgem tardiamente e são muitas vezes inespecíficos mimetizando situações benignas que não levantam de imediato suspeita. Os sintomas mais comuns são: distensão abdominal, urgência urinária, sensação de enfartamento, saciedade precoce, dor pélvica ou abdominal.

Entre fatores de risco conhecidos estão a nuliparidade, obesidade, pós-menopausa e presença de história familiar de cancro do ovário e/ou mama. Por outro lado gravidezes múltiplas, utilização de contracetivos orais e amamentação são considerados fatores protetores.

O tratamento depende do tipo de tumor e da extensão da doença. Os tratamentos podem englobar mais do que uma modalidade terapêutica, nomeadamente cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia, sendo o plano terapêutico individualizado para cada doente.

Novas opções de tratamento

Felizmente, nos últimos anos têm surgido novas opções de tratamento para estes tumores, nomeadamente com a incorporação dos inibidores da PARP no tratamento do cancro do ovário e da imunoterapia no tratamento do cancro do colo do útero e endométrio avançado. A questão do acesso universal e homogéneo a estes fármacos tem sido uma das grandes batalhas das doentes oncológicas e dos profissionais de saúde envolvidos no seu tratamento. De acordo com o estudo “WAIT Indicator” da EFPIA, a aprovação da comparticipação para medicamentos inovadores em Portugal demora em média 641 dias, sendo um dos países da Europa em que o acesso é mais lento, apenas ultrapassado por países de leste como a Roménia (média de 883 dias). Precisamos de maximizar procedimentos para uma aprovação mais célere de forma a tornar acessível a todos os melhores tratamentos disponíveis.

Globalmente, o prognóstico destes tumores correlaciona-se com a fase em que são diagnosticados, sendo mais favorável quanto mais precoce for o diagnóstico. Neste contexto temos de fazer um esforço para minimizar o diagnóstico tardio destas doenças. Para tal é necessário divulgar, informar e educar as mulheres e os clínicos sobre esta realidade, nomeadamente sobre a importância de manterem uma vigilância ginecológica por rotina, manterem um estilo de vida saudável incorporando atividade física e alimentação equilibrada, reforçar que não devem desvalorizar sintomas, que estejam alerta e que procurem ajuda o mais rápido possível, terem conhecimento dos sintomas mais comuns e também de alguns fatores de risco que se associam a esta doença tal como a história familiar de cancro.