Hoje em dia, é do conhecimento geral que a hormona tiroideia regula múltiplas funções do nosso organismo. O acesso facilitado a uma ecografia do pescoço, muitas vezes pedida como exame de rotina em doentes assintomáticos, e a análises da função tiroideia diagnosticam cada vez mais casos de doenças da tiroide.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Nuno Pinheiro. Cirurgião geral/endócrino. Hospital CUF Descobertas

 

Estima-se que cerca de 10% das mulheres acima dos 40 anos e 20% acima dos 60 anos de idade manifestam alguma disfunção na tiroide, sendo que é 5 a 8 vezes mais provável ser que esta seja diagnosticada numa mulher do que num homem.

Dados recentes também apontam que, embora raro, o cancro da tiroide atinge mais mulheres do que homens: cerca de 2% a 5%, na faixa etária entre 25 a 65 anos de idade.

Dois grandes grupos

De uma maneira simplista, os doentes com patologia da tiroide podem ser divididos em 2 grandes grupos:

#1 – Aqueles que têm manifestações clínicas evidentes provocadas pela alteração dos níveis de hormona no sangue, quer seja por produção aumentada – hipertiroidismo –, quer seja por diminuição dessa produção – hipotiroidismo –, sendo que estas alterações podem ter variadas manifestações clínicas.

#2 – Os doentes que podem ter alterações da morfologia da glândula, isto é, podem ter alterações na sua estrutura, tanto pelo aumento difuso das suas dimensões, bócio difuso, como pela presença de nódulos únicos ou múltiplos – bócio uni ou multinodular. Qualquer um destes casos pode estar ou não associado à alteração da função tiroideia.

Muitos dos doentes com doenças da tiroide são tratados medicamente na consulta de Endocrinologia, mas alguns podem necessitar de tratamento cirúrgico, nomeadamente doentes com hipertiroidismo resistente ao tratamento médico, doentes em bócios volumosos com deformações estéticas importantes ou com sintomas compressivos ou ainda em situações suspeitas ou confirmadas de cancro da tiroide.

A tiroide é descrita classicamente como tendo a forma de uma borboleta, isto é, tem 2 lobos e uma parte central que os une, a que chamamos de istmo.

Isto é importante, porque define os tipos de cirurgia que devem ser feitos na patologia da tiroide. Só deve ser efetuada uma lobectomia/ hemitiroidectomia, isto é, retirar um dos lobos, ou uma tiroidectomia total, que significa retirar a glândula toda e que nestes casos implica a toma permanente de hormona tiroideia. Isto, obviamente, não entrando no campo das excisões dos gânglios da região cervical – linfadenectomias, que podem ser necessárias em casos de cancro mais avançados.

Eventuais complicações da cirurgia da tiroide

Costumo dizer nas minhas consultas pré-operatórias que a cirurgia da tiroide pode ter 3 tipos principais de complicações:

#1 – A mais conhecida é a lesão do nervo recorrente – nervo que enerva as cordais vocais e cuja lesão provoca alterações das características da voz mais ou menos graves e pode levar à necessidade de terapia da fala.

#2 – A excisão das paratiroides – pequenas glândulas localizadas à volta da tiroide, normalmente 4, que produzem uma hormona, a paratormona, e podem ter consequências, nomeadamente na produção do cálcio, provocando a sua diminuição no sangue.

#3 – A terceira complicação possível nesta cirurgia, e que mais uma vez obriga a que seja feita de uma forma cautelosa e minuciosa, tem a ver com uma possível hemorragia no pós-operatório, provocando um hematoma cervical. Esta situação pode obrigar a uma intervenção imediata de forma a evitar situações de dificuldade respiratória por compressão da via aérea.

Apesar de acharmos que o principal fator para minimizar estes riscos é a experiência do cirurgião, também na cirurgia da tiroide o avanço tecnológico tem trazido algumas ferramentas que ajudam a minimizar a ocorrência destes.

Avanços tecnológicos

Hoje em dia, já se realizam, em casos sempre bem selecionados, as chamadas cirurgias minimamente invasivas – isto é, através de pequenas incisões ou até cirurgias sem incisão cervical com apoio de robot e com acesso pela axila (sem deixar cicatriz no pescoço).

Existem também algumas técnicas que pretendem ajudar a minimizar as complicações, nomeadamente a utilização de técnicas para a localização das glândulas paratiroides e a neuro monitorização intraoperatória do nervo laríngeo recorrente (responsável pela estimulação da corda vocal), que ajuda o cirurgião a localizar este nervo.

No entanto, mais uma vez, realço que o fator mais importante para evitar complicações é a experiência do cirurgião em cirurgia da tiroide, sendo que há países em que o número de cirurgias necessário para que um médico seja considerado um cirurgião com experiência varia entre 30 e 50 ou mais cirurgias por ano.