A depressão é uma doença psiquiátrica do humor (ânimo) que tem tratamento e que se estima atingir, em todo o mundo, mais de 300 milhões de pessoas. A prevalência de depressão é superior nas mulheres em relação aos homens.

 

Artigo da responsabilidade da psiquiatra Dra. Susana Pinto Almeida

 

 

 

 

 

Apesar de não ser sinónimo de “tristeza” nem um sinal ou sintoma de “fraqueza” é a principal causa de suicídio entre a população mundial. No entanto, continua a ser subdiagnosticada e subvalorizada em contextos vivenciais tão importantes como o laboral, sabendo-se que a é uma das principais causas de incapacidade funcional, com diminuição da produtividade e consequente absentismo. Por tudo isto, facilmente se compreende a importância da sua identificação diagnóstica e o seu tratamento precoce.

O diagnóstico de depressão pode ser realizado não só por psiquiatras, mas também por médicos de outras especialidades, como os médicos de família, especialistas em Medicina Geral e Familiar. Na realidade, pela sua proximidade à população, esta especialidade acaba por ser aquela que mais atempadamente consegue identificar sintomas depressivos a necessitar de uma abordagem terapêutica, intervindo eficazmente no sentido do tratamento e evitando a gravidade e a cronicidade de sintomas.

A prevalência de depressão é superior nas mulheres em relação aos homens. Calcula-se que o risco de depressão se situe entre 10% e 25% para as mulheres e varie entre 5 e 12% para os homens. Uma possível explicação para esta diferença assenta em fatores de ordem biológica e social, que vão desde as questões hormonais até à necessidade de a mulher ter que conciliar a carreira profissional com as tarefas quotidianas, numa sociedade onde a igualdade de género é apenas uma figura de estilo e a iniquidade de oportunidades prevalece.

Depressão e hormonas

Com a puberdade, inicia-se a produção das hormonas sexuais: no homem designa-se por testosterona e na mulher opor estrogénio que ocorre durante 14 dias do ciclo menstrual e nos demais 14 dias produz progesterona. Na mulher existe, assim, uma dupla vertente hormonal, com implicação ao nível do humor ou ânimo.

O estrogénio está associado a energia e boa disposição, no entanto, e assim que a sua produção diminui, a mulher pode sentir-se mais triste, ansiosa, preocupada e irritada. Isto ocorre próximo da menstruação, designando-se por TPM ou Síndrome de Tensão pré-menstrual.

A principal causa da TPM são as alterações hormonais ocorridas durante o período menstrual que interferem ao nível do Sistema Nervoso Central (SNC). Parece existir uma interação entre as hormonas sexuais femininas, as endorfinas (substâncias naturais ligadas à sensação de prazer) e os neurotransmissores, tais como a serotonina, que estão envolvidos na génese da depressão. Em geral, os sinais da TPM aparecem a meio do ciclo menstrual e desaparecem dois dias após o início da menstruação. Acredita-se que esta alteração hormonal, que afeta o humor, seja um dos principais fatores que contribuem para que a mulher tenha uma maior predisposição para depressão. Apesar da TPM não ser um quadro depressivo, em casos com sintomas incapacitantes é necessária uma medicação mais específica, sendo os antidepressivos os medicamentos com melhores resultados, contribuindo para uma melhoraria substancial da qualidade de vida das mulheres com esta perturbação.

A partir dos 40 anos e até aos 65, as mulheres têm uma redução fisiológica da produção hormonal pelos ovários, num período designado como climatério. No entanto, esta redução ao nível da produção hormonal não corresponde a uma menor necessidade de identificar sintomas depressivos na mulher. Estima-se que a depressão afete até 70% das mulheres em transição para a menopausa e um estudo canadiano recente publicado na revista da “Sociedade Norte-Americana da Menopausa (NAMS)”[1] investigou a associação entre menopausa, terapêutica hormonal e a presença de sintomas depressivos em mulheres de meia-idade. As conclusões do mesmo revelaram uma maior probabilidade de sintomas depressivos nas mulheres que tinham vivenciado situações de menopausa precoce (< 40 anos) e naquelas em uso de terapêutica hormonal. De facto, o risco de depressão nas mantém-se muito significativo, não só antes como também após a menopausa.

Depressão e sexualidade

Os sintomas mais comuns de depressão são a anedonia (incapacidade de sentir prazer com as atividades que habitualmente são prazerosas ), o humor deprimido ou “falta de ânimo”, insónia (alteração do sono inicial, intermédia ou terminal) ou sonolência excessiva, alterações do apetite (redução ou aumento), sentimentos de desalento, inutilidade, vazio ou desesperança, ideação suicida, diminuição da concentração, preocupação excessiva, fadiga, apatia e avolia (falta de motivação), irritabilidade e outros sintomas ansiosos. Aa ansiedade e a depressão partilham assim muitos sintomas, principalmente físicos, nomeadamente dores de barriga e de cabeça, má digestão, azia, tensão na nuca e nos ombros e pressão no peito.

No entanto, existe um tipo de sintomas em contexto de depressão que raramente é valorizado, tanto pela mulher como pelo médico. A depressão transporta em si uma série de sintomas que influenciam a libido e que podem levar a mulher à perda de interesse no ato sexual. De facto, sabe-se que a diminuição do desejo, da excitação e do prazer sexual são muito comuns na depressão, quer decorrentes dos próprios sintomas depressivos (falta de ânimo, irritabilidade, fadiga ou perda global de interesse pela vida), quer pelo facto da mulher que se sente deprimida se encontrar, por isso, menos disponível para demonstrar sentimentos de desejo e afeto.

Se os sintomas da esfera sexual forem perpetuados no tempo, irão exercer maior stress e ansiedade na mulher, o que agravará todo o quadro depressivo vivenciado. Ao longo do tratamento da depressão, e à medida que os sinais depressivos vão desaparecendo ou diminuindo de intensidade, os sintomas de disfunção ao nível da esfera sexual vão regressando progressivamente ao seu grau prévio ou pré-mórbido. Será sempre desejável considerar, não só a existência de sintomas de disfunção sexual da mulher deprimida, mas também o tipo de fármacos prescritos, no sentido do menor dano colateral da sexualidade, já de si prejudicada neste contexto.

Se a abordagem terapêutica não contemplar esta esfera tão importante do bem-estar geral, existe o risco das alterações ao nível da sexualidade se manterem muito além da depressão. No entanto, raramente se aborda ou questiona a sexualidade em contexto depressivo e muito dificilmente a mulher que apresenta um quadro depressivo se queixa de alterações da líbido, nem os sintomas da esfera sexual são frequentemente questionados e identificados em contexto clínico. Em pleno século XXI, ainda se vivencia a sexualidade como um tabu e este será um paradigma a erradicar, quer ao nível da promoção da literacia em Saúde Mental como, mais especificamente, sobre a Sexualidade, uma esfera primordial, mas tão negligenciada da em termos de saúde e bem-estar.

[1] https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32217892/