Apesar da inovação na área da saúde, os bebés que nascem antes das 32 semanas ou com peso inferior a 1500g, recém-nascido com muito baixo peso (RNMBP), continuam em risco aumentado de sofrerem um largo espetro de repercussões no neurodesenvolvimento.
Artigo da responsabilidade da Dra. Marisa Marques. Psicóloga Clínica e da Saúde. Trofa Saúde Hospital de Barcelos e Trofa Saúde Hospital de Braga Norte.
Criado em 2009, o Dia Mundial da Prematuridade celebra-se a 17 de novembro em mais de 50 países. Sabe-se que todos os anos, mundialmente, mais 15 milhões de bebés são prematuros. Em Portugal, cerca de 10% dos bebés nascem antes do tempo havendo uma taxa de sobrevivência de 70% nos bebés com menos de 28 semanas de gestação, segundo a Sociedade Portuguesa de Pediatria.
No nosso país, são poucos os estudos que abordam a evolução destes recém-nascidos ao longo do seu desenvolvimento, mas, avaliando por estudos internacionais, a prematuridade pode ser não só causa de consequências major (paralisia cerebral, défices intelectuais e alterações neurossensoriais), mas também défices cerebrais minor (perturbações específicas da linguagem, défice de atenção e hiperatividade, alterações do comportamento e labilidade emocional).
Sabe-se há muito tempo que os bebés prematuros ou RNMBP são bebés frágeis do ponto de vista clínico e podem sofrer efeitos de diversas complicações ao longo do desenvolvimento. O período entre as 20-32 semanas de gestação é caraterizado por um rápido crescimento cerebral que pode ser afetado por infeção, desnutrição ou outra causa, levando a alterações de neurodesenvolvimento. Estes problemas estão ligados à imaturidade ao sistema nervoso e ao sistema respiratório por ainda não ter atingido a sua plena maturidade durante a gestação.
Após o nascimento, a interação que envolve essa imaturidade biológica e o ambiente físico e social da criança irá desempenhar um papel decisivo no seu desenvolvimento. De forma geral, quanto menor é o tempo de gestação, maiores são as repercussões sobre as funções biológicas.
Criança prematuras, RNMBP ou que sofrem de complicações médicas importantes têm mais problemas de temperamento quando bebés e durante a primeira infância. Manifestando níveis mais baixos de adaptabilidade, ritmo, atividade, atenção e perseverança. Tendem a manifestar também variações de humor mais intensas, maior dificuldade para acalmar-se, maior passividade e menor recetividade a nível social. Estas dificuldades de temperamento podem levar a um atraso ou a uma deficiência na autorregulação.
No entanto, o desenvolvimento dos bebés prematuros e/ou RNMBP, muitas das vezes, apenas são valorizados em idade escolar, porque muitos processos cognitivos ainda não emergiram e outros estão em estádios precoces de desenvolvimento. Sendo que uma das perturbações severas mais comuns em prematuros e RNMBP – e a sua prevalência é superior à das lesões visuais, auditivas ou motoras – é o défice cognitivo que se ressente mais com a entrada no contexto escola. Este poderá estar associado a fatores maternos, perinatais e neonatais que condicionam o neurodesenvolvimento e a capacidade cognitiva da criança na infância, adolescência e mesmo na idade adulta.
O declínio cognitivo tem uma base neuropatológica. Como os prematuros têm maior incidência de lesões na substância branca cerebral, o normal desenvolvimento de capacidades processuais poderá estar alterado ou atrasado. Mas mais importante que conhecer a prevalência de défices cognitivos, é conhecer a sua evolução desde o nascimento. Isto porque um défice cognitivo identificado nos primeiros anos de vida não é sinónimo de défice cognitivo na idade escolar, podendo refletir apenas uma imaturidade que eventualmente poderá ser recuperável.
As aptidões cognitivas não se mantêm estáveis entre os primeiros anos de vida e a idade escolar/adolescência, existindo estudos que mostram um agravamento das mesmas nas idades posteriores. Pelo que na adolescência é relevante percebermos a evolução do neurodesenvolvimento deste prematuro porque nesta fase observa-se um maior número de devido aos desafios cognitivos e exigências académicas muito maiores do que em idades anteriores. Por outro lado, mostra que o processo de aquisições cognitivas é contínuo e que uma avaliação negativa nos primeiros anos poderá ser recuperada.
Por outro lado, o défice de atenção/hiperatividade (PHDA) é a perturbação neuro-comportamental mais comum nos bebés prematuros e RNMBP. As causas envolvidas na maior prevalência de PHDA não são bem conhecidas, mas acredita-se que esteja associado a um défice primário na capacidade executiva: menor fluência verbal, memória executiva e flexibilidade cognitiva.
O bebé prematuro ou RNMBP apresenta ainda uma grande probabilidade de apresentar um compromisso no desenvolvimento da coordenação motora – paralisia cerebral. Esta incapacidade motora é, frequentemente, associada a um determinado grau de compromisso em tarefas cognitivas e viso-espaciais que levam a défices na interpretação sensorial, processamento viso-espacial e, consequentemente, levam a problemas de adaptação social, dificuldade em perceber o ambiente que as rodeia, compreender e estabelecer relações empáticas, o que condicionam as interações sociais fundamentais para o seu desenvolvimento.
Quanto à habilidade emocional, não se sabe se existe correlação entre a prematuridade e os problemas como a ansiedade e depressão ou se estes resultam principalmente de outros fatores, como a baixa autoestima resultante de défices cognitivos e problemas sociais. Sendo que estes bebés são descritos como menos capazes de interagir e socializar, menor autoestima na aceitação social, capacidade académica e capacidade física.
Avanços nos cuidados médicos levaram ao aumento da sobrevivência na prematuridade e nos RNMBP, mas o risco de sequelas no neurodesenvolvimento mantém-se elevado. Porque além dos problemas comportamentais terem um substrato neurobiológico, é importante considerar os fatores de risco ambientais, como a relação pais-criança ou o tipo e duração de internamentos, que poderão modelar o comportamento e o risco de problemas comportamentais. Pelo que os estudos clínicos apontaram para a importância do tipo e forma de cuidados intensivos prestados ao bebé prematuro e RNMBP têm prognóstico da criança.
Pelo que atualmente tem se investido em uniformizar a Avaliação e a Intervenção na Prematuridade e/ou RNMBP. Surgem assim programas de saúde centrados no desenvolvimento que se baseiam na ideia de um ambiente calmo, controlado e não stressante na UCIN, traduzindo-se numa melhoria do neurodesenvolvimento a longo prazo.
O mais conhecido destes programas é o Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program (NIDCAP). O NIDCAP é o Programa Individualizado de Avaliação e Cuidados Centrados no Desenvolvimento do recém-nascido, criado para responder a preocupações quanto ao impacto negativo do ambiente das UCIN nos prematuros. Para além dos fatores físicos (meio ambiente tranquilo), ele centra-se na coordenação, estrutura e consistência dos cuidados, no posicionamento adequado do RN, no contacto pele-pele entre mãe e bebé, na alimentação e conforto familiar.
O estudo da eficiência do NIDCAP é complexo, pois não se trata de uma terapia quantitativa, mas sim qualitativa cujo objetivos passa por um conjunto de estratégias que combinam uma melhor relação pais-criança e numa fase posterior a utilização programas de intervenção precoce podem reduzir ao mínimo o impacto da prematuridade no neurodesenvolvimento.
A referenciação para programas protocolados que permitam a avaliação do seu neurodesenvolvimento, não só no primeiro ano de vida, mas também ao longo do seu desenvolvimento, é o elemento ativo e principal num bom prognóstico clínico na prematuridade. Pelo que deverão os programas ser uniformizados a nível nacional, com avaliação especializada em consultas de neurodesenvolvimento, de forma a ser possível o rastreio, diagnóstico e sinalização precoce para programas de intervenção.
Atendendo às realidades dos nossos hospitais é importante o encaminhamento para estabelecimentos privados, para que estes programas devam ser acessíveis a toda a população e capazes de avaliar os resultados de intervenções neonatais, estabelecendo uma correlação com o prognóstico destas crianças. Os elevados custos associados facilmente são justificáveis pelo benefício inerente ao diagnóstico e intervenção.
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