No coração dos serviços pediátricos, onde a resiliência tanto de crianças como dos seus pais e dos profissionais de saúde é diariamente posta à prova, o riso e o humor surgem como antídotos para os desafios do tratamento do cancro. Para assinalar o Dia Mundial da Criança com Cancro, é essencial reconhecer não só o apoio médico, mas também o apoio emocional e psicológico, que contribui para o processo de cura das crianças hospitalizadas, de uma forma especial em oncologia.

Artigo da responsabilidade de Luiza Teixeira de Freitas, presidente da Operação Nariz Vermelho

 

O humor e o riso são ferramentas que podem trazer alegria, alívio e conforto às pessoas em diversas situações. Está cientificamente provado que oferecem inúmeros benefícios para a saúde, incluindo a redução do stress, o alívio da dor e a melhoria do sistema imunitário. O riso desencadeia a libertação de endorfinas, os químicos naturais de bem-estar do corpo, promovendo uma sensação geral de bem-estar e até um alívio temporário da dor. Para as crianças submetidas a tratamentos rigorosos contra o cancro, como a quimioterapia e a radioterapia, esta forma natural de cuidar, que trazem os Doutores Palhaços da Operação Nariz Vermelho, serve como um mecanismo crucial de sobrevivência, promovendo momentos de alegria e de fuga aos desafios diários que se colocam.

A integração da terapia do humor na oncologia pediátrica está a ganhar força à medida que os profissionais de saúde reconhecem os seus benefícios. Estas intervenções não só levam alegria ao ambiente hospitalar, como capacitam as crianças, permitindo-lhes ver para além da sua doença e promovendo uma perspectiva positiva, essencial para a sua melhoria e recuperação.

O envolvimento da família e dos profissionais dos hospitais é também fundamental para criar uma atmosfera leve, cheia de humor. Incentivar a partilha de histórias ou atividades lúdicas, assim como promover o riso, pode trazer mais leveza e melhorar significativamente o clima emocional das crianças. Este riso partilhado reforça os laços, proporciona apoio emocional e cria um amortecedor contra a tensão psicológica do tratamento do cancro.

Há pouco tempo acompanhei o trabalho dos Doutores Palhaços no IPO de Lisboa. Teria sido um dia ‘normal’ de visitas, em que a dupla chega à pediatria, troca de roupa para o figurino, faz a ‘transmissão’ com a equipa de profissionais do hospital – onde compreendem o que esperar em cada quarto e cada corredor, as patologias das crianças que lá vão encontrar, os seus estados de espíritos – para, então, começarem a espalhar magia. Foram, no entanto, confrontados com uma delicada situação: um menino que conheciam há muitos meses (as duplas de artistas têm residências fixas de 6 meses em cada hospital), acabara de falecer.  Não há necessidade de entrar em detalhes sobre quão difícil foi a manhã, para todos naquele serviço, mas a forma como os dois Doutores Palhaços conseguiram encontrar equilíbrio face a uma situação tão complexa e agarrar-se à resiliência e à vida, assim como a todas as outras crianças que, cheias de energia e alegria, pediam deles toda a brincadeira possível, foi memorável. Conseguiram, além disso, partilhar força com a equipa de profissionais que trabalhava e, até mesmo, com os pais da criança que acabava de falecer, que chamaram os Doutores Palhaços, com quem já tinham uma relação estabelecida, para partilharem também um abraço, naquele que provavelmente terá sido o pior momento das suas vidas.

Muitos estudos de caso e testemunhos elaborados em serviços pediátricos oncológicos ilustram o impacto transformador do riso. Um em particular, que analisou as experiências de crianças com doenças crónicas em hospitais, concluiu que sentir-se “em casa” e seguro no hospital é crucial para o seu bem-estar. A confiança nos conhecimentos e nas competências profissionais de quem cuida é um pré-requisito para que as crianças se sintam assim, e estar perto da família é ainda mais importante. O humor e o riso podem facilitar estes sentimentos de conforto e segurança, criando uma atmosfera positiva e de apoio no hospital.

Embora os benefícios do humor sejam inegáveis, é importante abordar o humor e o nosso trabalho com sensibilidade e adaptação à situação e à personalidade de cada criança. Nem todos os momentos são adequados para o humor, e é crucial respeitar as necessidades individuais e os estados emocionais de cada paciente.

Ao integrar o humor nos seus cuidados, não só melhoramos a sua qualidade de vida, como também reforçamos a sua resiliência, ajudando-as a enfrentar o tratamento com coragem e esperança. No Dia Mundial da Criança com Cancro, lembremo-nos de que, no meio da complexidade dos tratamentos médicos, a simplicidade de um sor(riso) tem um profundo poder de cura, conforto e transformação.