São mulheres independentes, determinadas, realizadas profissionalmente, a caminho dos 39 anos, com o objetivo claro de que não estão dispostas a abdicar do sonho de ter um ou mais filhos apenas porque não têm um parceiro com quem partilhar este importante projeto de vida. Ou com quem, simplesmente, não tiveram essa oportunidade nos relacionamentos anteriores. É este o retrato social resumido das mulheres que chegam ao IVI Lisboa para alcançar a tão desejada gravidez.

As estatísticas indicam que estão longe de ser uma minoria. No ano passado, já representavam cerca de 20% do total de atendimentos do IVI Lisboa. De acordo com a Dra. Tetyana Semenova, ginecologista e coordenadora da Unidade de Ovodoação, o número de mulheres que escolhem ser mães sozinhas mais do que duplicou nos últimos cinco anos. Ou seja, em 2019, houve 164 atendimentos. No final de 2023, foram já 383 mulheres sem parceiro que procuraram a clínica para serem mães independentes.

“Podemos retratá-las como mulheres com idade média de 38,5 anos, com uma vida profissional consolidada e situação económica estável. Muitas delas tiveram parceiros anteriores com quem não realizaram o seu desejo gestacional, embora nunca tenham perdido de vista o seu objetivo de se tornarem mães no futuro, independentemente da sua situação sentimental. Estão determinadas a embarcar na aventura da maternidade sem parceiro a partir da sua maturidade emocional e, muitas vezes, têm uma rede familiar que as apoia neste projeto. São mulheres fortes, tenazes, muito conscientes de sua decisão e confiantes em realizá-la até que sejam capazes de formar a sua tão esperada família”, refere a médica.

Sem o estigma de outros tempos, sem terem de lidar com preconceitos ou olhares mais ou menos indiscretos, e com as soluções que a ciência hoje lhes proporciona, estas mulheres escolhem constituir uma família com um modelo que não é assim tão diferente dos modelos das sociedades atuais. Até porque, as famílias monoparentais e reconstituídas já representam 27,3% das famílias portuguesas, de acordo com dados dos Censos 2021.

Ainda em relação à idade, a Dra. Tetyana Semenova destaca outro detalhe: estão a procurar apoio mais cedo. “São agora mais jovens do que há cinco anos, embora a diferença seja muito ligeira. No entanto, acreditamos que é uma tendência que se vai manter”. Em 2019, a média de idades era de 39,4 anos; em 2023, foi de 38,5 anos. Para a especialista estes indicadores “demonstram a crescente consciência social do declínio da fertilidade feminina a partir dos 35 anos”, embora reconheça que há ainda um longo caminho a percorrer no sentido de sensibilizar as mulheres para esta questão”.

Patrícia sabia que “tinha uma alma à sua espera”

O desejo de ser mãe foi sempre muito claro e íntimo para Patrícia, de 41 anos. Era como se tivesse escrito nas estrelas que tinha uma alma à sua espera. “Tinha um desejo profundo e a sensação de que havia realmente uma alma à minha espera, um encontro inevitável que eu sabia que devia procurar com todas as minhas forças. O universo, as estrelas, Deus… a Ciência… tudo conspirou a nosso favor e esse dia chegou, numa madrugada amena de setembro”, revela, ainda emocionada. A emoção e a sensação avassaladora de amor foram tão intensas que quando sentiu a pequena Maria nos seus braços e os seus olhos se cruzaram pela primeira vez, foi como se a conhecesse desde sempre.

Para Patrícia, a decisão da maternidade independente não é seguramente mais difícil do que a decisão de ser mãe, em qualquer circunstância. No seu caso, e tomada a decisão de ser mãe, sabia que podia contar com uma boa rede de apoio: “Isso naturalmente é essencial para que consigamos, mãe e filha, manter um equilíbrio saudável e ter outras figuras de referência, como os avós e tios, que tragam diversidade e variedade às nossas vidas”, explica.

Quais são as opções e o que preocupa estas mães?

Os tratamentos são escolhidos em função do perfil de quem chega ao consultório. Uma mulher que decida enfrentar sozinha a maternidade pode consegui-la através de diferentes técnicas de reprodução assistida: como a inseminação artificial e fertilização in vitro com espermatozoides de dadores, doação de ambos os gâmetas (espermatozoides e óvulos) ou transferência de pré-embriões doados por outros casais.

Do ponto de vista social, a Dra. Tetyana Semenova sublinha a importância de normalizar estes novos modelos de família para que as crianças construam e compreendam gradualmente a realidade que as rodeia. Na sua opinião, estas explicações devem ser sempre dadas de forma natural e com exemplos e realidades próximas do dia a dia para que percebam que estas famílias são tão válidas como qualquer outra, independentemente dos membros que as compõem.

Para apoiar as mulheres que têm o sonho de serem mães sem parceiro, esclarecer algumas das suas maiores inquietações e para lhes dar a segurança e o suporte de que necessitam para seguir em frente, o IVI lançou um Guia Prático para famílias monoparentais. O objetivo é proporcionar a estas mulheres as condições necessárias para que a gravidez possa ser vivida de forma serena, confiante e segura.

FACTOS E NÚMEROS

Em Portugal, a alteração à lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), em 2017, permitiu o acesso de mulheres sem companheiro aos tratamentos de reprodução. A partir dessa altura, começaram a surgir em Portugal famílias monoparentais desde a sua origem. É possível ser mãe recorrendo a uma inseminação artificial ou fecundação in vitro (FIV) com sémen de dadores, mas também se podem utilizar os óvulos de uma dadora se for necessário, ou recorrer à doação de embriões. Todas estas opções ajudam a mulher a conseguir realizar o sonho de ter um filho.

De acordo com dados dos últimos relatórios do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, nasceram, em Portugal, em 2020, 2797 crianças através da utilização de várias técnicas de PMA, o que representa 3,3% do número total de crianças nascidas. Esta percentagem inclui todos os modelos de família e não apenas as mulheres sem parceiro.

As técnicas de PMA no seu conjunto foram fortemente afetadas pela pandemia COVID-19, muito em particular nos centros públicos, que enfrentam ainda constrangimentos no funcionamento do Banco Público de Gâmetas (falta de doações, tanto de sémen, como de óvulos). Nos centros públicos de PMA (inseridos nos hospitais), as atividades médicas não urgentes e/ou não relacionadas com a pandemia sofreram perturbações, tendo orientado os seus recursos para o combate à infeção, pelo que os nascimentos acabaram por ser residuais.

Até final de 2022, existiam, em Portugal, 29 centros de PMA, dos quais 18 eram privados. Na região do Alentejo não existiam centros, públicos ou privados. No Algarve, existiam apenas centros privados. Na Região Autónoma dos Açores não havia qualquer centro público e, na Madeira, é utilizada apenas a técnica de Inseminação Artificial no Hospital Dr. Nélio Mendonça. (Relatório da atividade desenvolvida pelo CNPMA em 2022)