Com a crescente popularidade das redes sociais, a Medicina Estética tem-se tornado cada vez mais visível e acessível ao público em geral. No entanto, levantam-se importantes questões sobre os padrões de beleza irreais e a necessidade de transparência nas representações online.

Artigo da responsabilidade da Dra. Inês Neves. Médica de Medicina Estética na Up Clinic

 

As redes socias estão cada vez mais presentes na nossa vida. Seja para descontrair ou estar a par das novidades, elas passaram a fazer parte da nossa rotina diária. O que começou por ser um espaço virtual, onde podíamos contactar e fazer novos amigos, rapidamente evoluiu para uma plataforma capaz de unir pessoas e organizações em todo o mundo.

VIDAS (POUCO OU NADA) REAIS

Sempre houve publicidade e manipulação de informação, mas nunca a esta escala. Hoje em dia, é quase impossível estarmos online sem sermos bombardeados com imagens de vidas extraordinárias, rostos e corpos perfeitos, representações de uma vida que se assemelha à real, mas que de realidade pouco ou nada tem.

Nesta ótica, os chamados influencers vieram revolucionar o mercado, pois ao se assemelharem às pessoas comuns, eles conseguem exercer uma maior pressão sobre o seu círculo de seguidores, atuando como especialistas baseados na experiência.

O que é fundamental perceber é que as redes sociais funcionam como um marketing pessoal, onde as pessoas publicam as suas melhores fotos e vídeos. A pressão estética é de tal forma intensa, que ferramentas como o Photoshop se tornaram a acessíveis a todos, assim como os filtros e efeitos que permitem alterar ou corrigir determinados aspetos físicos incómodos.

DISMORFIA CORPORAL

O ser humano é naturalmente competitivo e o mundo em que vivemos é sustentado por essa mesma competitividade. Isso faz-nos acreditar que o nosso sucesso e valor está na dependência de superarmos o das outras pessoas.

O problema está quando tentamos superar (ou apenas alcançar) algo que é fabricado e irreal. Esta situação é potenciada pelo sistema de mensuração de valor existente nas redes socias: número de gostos, comentários, partilhas… ou seja, a aprovação externa, o que só reforça a insegurança.

Esta obsessão pela busca do perfeito abriu uma “caixa de Pandora”, a da dismorfia corporal. Não é incomum pacientes chegarem à consulta com uma imagem distorcida de si mesmos ou com uma foto cheia de filtros dizendo “quero ficar assim”.

O exemplo mais comum de dismorfia corporal é a anorexia e, da mesma maneira que ninguém apoiaria uma pessoa anorética a não comer, não deveríamos sustentar a distorção da autoimagem.

Até porque, ainda que, como profissionais, conseguíssemos a proeza de atingir o resultado desejado, o ciclo da distorção só se iria perpetuar com um novo filtro, alimentando a patologia dimórfica.

IGNORÂNCIA E GANÂNCIA

A indústria da beleza é a segunda maior no mundo, com um retorno financeiro anual de milhões. É certo que ela ajuda as pessoas a sentirem-se melhor consigo mesmas, mas o lado negro é que é sustentada pela insegurança dos seus consumidores e pela eterna busca de algo platónico.

É aqui que as redes sociais, na minha opinião, deveriam ter o seu papel mais preponderante: na educação à população e minimização das vítimas de publicidade enganosa e até mesmo criminosa, como é o caso das esteticistas e salões de beleza que promovem abertamente os seus serviços de “Medicina Estética”, os quais, como o próprio nome indica, são atos médicos.

Neste aspeto, o facto da Medicina Estética não estar ainda reconhecida como especialidade médica e não haver um reconhecimento legal dos seus atos abre portas a certas ilegalidades, umas por ignorância, outras por ganância.

ALERTAR E EDUCAR

Há uma tendência em “glamourizar” a Medicina Estética, mas esta tem perigos reais, entre os quais: infeções, reações alérgicas, necroses de tecido ou até mesmo cegueira. Ninguém gosta de ver e ouvir falar das complicações, mas isso não faz com que elas não existam.

Curiosamente (ou talvez não), estas complicações são mais frequentes entre os “profissionais” não médicos. Contudo, atualmente, não existe nenhum tipo de consequência legal efetiva para este tipo crime, o que propaga o problema.

A verdade é que a Medicina Estética é uma área médica relativamente recente. Assim, e enquanto Governos, Ordens e Colégios não regulamentam esta nova área da Medicina, cabe-nos a nós, médicos, alertar e educar a população.

Nunca o acesso à informação foi tão grande e, com ele, o acesso à desinformação. Hoje, qualquer pessoa pode intitular-se de “especialista” e dar conselhos de saúde e beleza, sem qualquer tipo de consequência legal. Seria ilusório pensar que conseguimos controlar estes pseudoespecialistas, mas o que conseguimos fazer é combater a sua ignorância com ciência e sabedoria.

Muitos médicos já possuem uma página nas redes sociais, mas naturalmente que o seu alcance é algo limitado. A ajuda dos influencers e famosos na disseminação da verdade, com conhecimento e transparência, torna-se essencial, para não dizer moralmente necessário.

Leia o artigo completo na edição de Janeiro 2024 (nº 345)