A hipofosfatémia ligada ao X (XLH) é uma doença rara, genética, que afeta o metabolismo do fósforo, levando à hipofosfatémia crónica, fraqueza óssea e comprometimento do crescimento. As crianças que vivem com XLH enfrentam desafios da progressão da doença, enquanto as famílias procuram respostas com um diagnóstico precoce e acesso adequado a tratamentos eficazes.
Artigo da responsabilidade da Dra. Inês Alves. Presidente da ANDO – Associação Nacional de Displasias Ósseas
Em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde tem-se destacado em áreas importantes, como a universalidade dos cuidados e a gratuitidade de muitos serviços essenciais. Contudo, quando se trata de doenças raras, como a XLH, as limitações do sistema tornam-se evidentes. As displasias ósseas, incluindo a XLH, são condições geneticamente complexas que exigem tratamentos de alta especialização e um acompanhamento contínuo e multidisciplinar.
DOENÇA DESCONHECIDA
A XLH, por ser uma doença rara, é muitas vezes desconhecida de grande parte dos profissionais de saúde. Isso leva a atrasos no diagnóstico e na referenciação para os centros clínicos onde está mais conhecimento centralizado, o que pode levar a tratamentos inadequados ou insuficientes.
Segundo um estudo recentemente publicado por Tumiené et al, 2024 na revista Lancet1, as doenças raras afetam aproximadamente 6% da população europeia, mas os profissionais de saúde não estão suficientemente preparados para reconhecê-las, o que agrava a situação dos doentes.
Um dos problemas principais está na formação insuficiente de profissionais de saúde de cuidados primários em relação a doenças raras. A falta de conhecimento pode atrasar o diagnóstico, o que, no caso da XLH, agrava as deformidades ósseas, aumenta as dores articulares e prejudica o desenvolvimento das crianças, especialmente se a intervenção não for precoce.
TRATAMENTOS EXISTENTES
O tratamento convencional para a XLH em crianças e adultos consiste na administração de suplementos de fósforo e vitamina D ativa.
Contudo, em 2018, foi aprovado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), o burosumab, um anticorpo monoclonal que tem mostrado resultados de eficácia na correção dos níveis de fósforo e na melhoria da qualidade de vida. No entanto, em Portugal, o acesso a esses tratamentos inovadores nem sempre é garantido.
Com o aparecimento das Redes Europeias de Referência para as Doenças Raras (ERNs) em 2017, e em específico, da ERN BOND, para as doenças ósseas raras, dois centros clínicos (Centro Hospitalar Universitário de Coimbra – CHUC, e ULS Santa Maria) foram incluídos como membros efetivos, após extensa avaliação externa das redes e dos membros. Contudo, nenhum destes centros foi ainda reconhecido a nível nacional, pela Comissão Nacional para os Centros de Referência, como centros especializados em displasias ósseas, uma situação incompreensível e que dificulta o acesso de pessoas de diferentes zonas do país.
ALÉM DA PRESCRIÇÃO TERAPÊUTICA
A complexidade da XLH exige uma abordagem que vá além da prescrição terapêutica. O acompanhamento ideal requer uma equipa multidisciplinar, composta por pediatras, endocrinologistas, ortopedistas, nutricionistas e fisioterapeutas, que trabalham em conjunto para garantir o melhor cuidado possível. A integração dos cuidados nos centros de referência, devem ser alinhados com cuidados de proximidade, o que ainda não acontece na maioria dos casos. A falta de comunicação entre os diferentes níveis de cuidado e especialidades frequentemente resulta em tratamentos fragmentados e ineficazes.
A Associação Nacional de Displasias Ósseas (ANDO), enquanto associação de apoio a pessoas com displasia óssea e famílias, tem tido uma voz ativa na promoção e conscientização da XLH de forma a garantir que as pessoas com a doença tenham acesso a cuidados adequados e especializados. A ANDO tem desempenhado um papel estruturante para a referenciação, ao facilitar o contacto entre famílias e médicos dos centros de alta especialização em displasias ósseas, de forma a assegurar cuidados diferenciados e reduzir as desigualdades no acesso aos tratamentos.
O SNS precisa urgentemente de reforçar o investimento em formações contínuas para médicos sobre doenças raras. Devem também ser reconhecidos e apoiados com recursos humanos e financeiros os centros de referência nacionais membros das redes europeias, para o acompanhamento e tratamento destas condições e garantir o acesso a medicamentos inovadores, como o burosumab.
REDE DE APOIO PARA AS FAMÍLIAS
Além disso, é fundamental criar uma rede de apoio psicológico e social para as famílias que lidam com doenças raras. O impacto emocional da XLH não deve ser subestimado: além das dores físicas, as crianças enfrentam desafios de inclusão escolar e social, e os pais, muitas vezes, sentem entraves face às dificuldades do sistema.
Para as crianças que convivem com a XLH, cada dia sem o tratamento adequado representa uma oportunidade perdida de alcançar um desenvolvimento saudável e uma vida sem dor.
Referências
- Tumienė, Birutė et al. Rare diseases: still on the fringes of universal health coverage in Europe, The Lancet Regional Health – Europe, Volume 37, 100783
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