Rara, mas muito grave, a miocardiopatia amiloide por transtirretina, vulgarmente denominada ATTR-CM, pode confundir-se com outras patologias do foro cardíaco. Uma vez diagnosticada, apresenta uma esperança média de vida de três anos e meio. Quanto mais cedo for identificada, melhores serão as hipóteses de uma sobrevida com qualidade.

Artigo da responsabilidade do Dr. Jonathan dos Santos              Médico de Família, USF Torrão (Lousada); autor do blogue oteumedicodefamilia.com

 

A miocardiopatia amiloide por transtirretina (ATTR-CM) resulta da acumulação de proteínas desnaturadas no coração e no organismo. É considerada uma doença rara, mas muito grave: apresenta uma sobrevida estimada de apenas três anos e meio.

Estão identificados dois tipos de ATTR-CM: Wild Type (ou amiloidose cardíaca senil) e hereditária. No primeiro caso, a doença é idiopática, ou seja, é de causa desconhecida. É particularmente incidente em homens caucasianos que sofram de insuficiência cardíaca ou de arritmias, como fibrilhação auricular, ou que apresentem um histórico de síndrome do túnel cárpico bilateral. Na maioria destes casos, a doença começa a manifestar-se a partir dos 60 anos.

Por outro lado, os sintomas da ATTR-CM hereditária têm tendência a começar um pouco mais cedo, normalmente entre os 50 e os 60 anos. É igualmente incidente em pessoas do sexo masculino ou feminino. Está associado a insuficiência cardíaca, sintomas neurológicos (periférico e autónomo) e/ou gastrointestinais, e a história clínica de síndrome do túnel cárpico bilateral.

FIQUE ATENTO AOS SINAIS

Pelo impacto que tem no coração, a ATTR-CM apresenta, muitas vezes, os sintomas e sinais de insuficiência cardíaca, como cansaço extremo, dificuldade em respirar, taquicardia constante, inchaço nas pernas ou no abdómen, aumento da frequência e necessidade de urinar à noite, tonturas, desmaios ou aumento de peso.

Pode, também, incluir outros sintomas relacionados com o depósito de fibras amiloides em todo o corpo, como problemas oculares (por exemplo, glaucoma), rotura do tendão bícipe sem que tenha havido trauma, problemas gastrointestinais (diarreia, obstipação, náuseas ou saciedade precoce), necessidade de substituição da anca e/ou joelho, síndrome do canal cárpico bilateral (dormência, formigueiro e dor nos dedos), estenose da coluna lombar (dor ou dormência na parte inferior das costas e nas pernas devido a estreitamento do canal vertebral), neuropatia periférica (sensação diminuída ou de formigueiro ou dor nos pés ou dedos dos pés) ou arritmia.

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?

Com base nos sinais e sintomas apresentados, seja para confirmar uma suspeita de ATTR-CM ou para identificar pessoas em risco, podemos recorrer a análises de sangue e urina (para excluir a amiloidose por imunoglobulina de cadeia leve, outra forma de amiloidose); e diferentes exames clínicos, como ecocardiograma, eletrocardiograma (ECG) ou ressonância magnética (RM) cardíaca; cintigrafia óssea (exame de imagiologia não invasivo que confirma a presença de amiloidose no coração); teste genético (através de sangue ou saliva, podemos confirmar ou excluir a forma hereditária de ATTR-CM) e biópsia cardíaca (envolve a colheita de pequenas amostras de tecido do músculo cardíaco). Alguns destes meios complementares estão disponíveis através do médico de família com quem se pode começar o estudo.

E APÓS O DIAGNÓSTICO? 

O prognóstico e as estimativas de sobrevida da ATTR-CM (três anos e meio) fazem da confirmação do diagnóstico um processo complicado. No entanto, e como acontece com grande parte das patologias, esta não tem de ser uma doença solitária.

O apoio dos pares e dos profissionais de saúde pode revelar-se fundamental no controlo da doença. Entidades como associações de doentes, de que é exemplo a AADIC – Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, de voluntários ou de profissionais de saúde são apenas alguns exemplos de grupos onde alguém com um diagnóstico de ATTR-CM pode encontrar suporte e compreensão. A partilha de conhecimento, de experiências e a relação com quem se encontra numa situação semelhante podem ajudar muito na forma como se lida com o diagnóstico.

INFORMAÇÃO É PODER

A informação, por seu lado, será sempre poder, e a literacia em saúde e o conhecimento importantes aliados no combate a qualquer doença. A miocardiopatia amiloide por transtirretina não é exceção. A equipa clínica e os grupos de apoio poderão guiar o doente e aconselhar fontes fidedignas onde poderá ficar a saber mais.

O acesso à informação permite tomar decisões ponderadas e adequadas a cada situação, ter bases para conversar com a equipa médica sobre o processo e os tratamentos, e decidir os próximos passos. Só através do conhecimento se poderá identificar a doença numa fase mais precoce, definir uma estratégia e passar à ação.

Artigo publicado na edição de outubro 2022 (nº 331)