A hipertensão pulmonar (HP) é um problema de saúde que, a nível mundial, afeta todos os grupos etários, desde crianças a idosos, e que se destaca pela ausência de cura e pelo impacto que pode assumir nas várias dimensões de vida do doente. O diagnóstico de HP pode não ser fácil e demorar tempo até à sua concretização, devido ao facto de alguns dos sintomas serem comuns a outras doenças e, também, de os sinais e/ou sintomas em alguns doentes poderem ser ténues numa fase inicial.

Artigo da responsabilidade de Cátia Rodrigues. Presidente da Associação Portuguesa de Hipertensão Pulmonar

 

A HP consiste numa doença rara, sem um tratamento curativo e por isso é uma condição de saúde crónica com sintomatologia diversa (e.g., dispneia, fadiga, dor torácica, perda de peso, palpitações). Muitas vezes, o doente  não consegue aguentar as condições e responsabilidades do seu trabalho, podendo mesmo ter que se despedir do emprego devido à severidade dos sintomas, complexidade do tratamento ou sofrimento psicológico associado à doença[i], reformando-se precocemente devido a esta incapacidade (pensão por invalidez), o que se traduz num impacto negativo no rendimento familiar.

Porém, o desafio de viver com uma doença como a HP vai para além do exposto a nível profissional. Pois, ela manifesta-se igualmente na vida social, mais concretamente na perda de papéis sociais, ou a nível familiar, com a alteração de papéis na execução de tarefas domésticas ou de cuidados aos filhos ou até ao seu próprio cuidado; o planeamento de viagens e os cuidados imprescindíveis a ter, entre tantas outras questões. E, por último e não menos importante, ao nível pessoal, em que as mulheres por exemplo, são desaconselhadas a engravidar pelo risco de agravamento da condição de saúde; mas também no que respeita ao uso de dispositivos médicos no corpo (que representa todo um processo de aceitação e adaptação) que garantem a administração do tratamento farmacológico. Não esquecendo ainda o estado emocional, tantas vezes relatado por sentimentos de frustração, incompreensão, ansiedade e incerteza em relação ao futuro.

Tudo isto está validado em vários estudos a nível mundial que reforçam o impacto que a HP assume na qualidade de vida e saúde mental na vida destes doentes, também muito associada ao agravamento da condição clínica e, consequentemente, a um maior risco de desenvolvimento de perturbação psicológica, como por exemplo ansiedade ou depressão.

Por isso, contextualizar a HP enquanto uma condição crónica de saúde também é crucial. Primariamente, é importante sustentar-nos na definição do que é uma doença crónica. As doenças crónicas “tendem a ser de longa duração e são o resultado de uma combinação de fatores genéticos, fisiológicos, ambientais e comportamentais[ii], definidas como uma condição que pode durar um ano ou mais, que necessitam de acompanhamento médico contínuo ou limitam as atividades da vida diária ou, ainda, podem ocorrer estas duas últimas condições em simultâneo[iii]. Se pensarmos nesta definição e refletirmos sobre a vida de um doente com HP e o impacto e consequências que esta doença assume nas várias dimensões de vida, parece-me que as mesmas estão bem visíveis na realidade de quem diariamente (con)vive com a HP, sendo que a ausência de cura, acompanhamento médico regular e a limitação (muitas vezes) de atividades de vida diária, são alguns dos aspetos proeminentes subjacentes a esta condição de saúde que, como já referi, percorre um caminho (às vezes longo) desde os primeiros sintomas ao diagnóstico efetivo.

Partindo deste pressuposto, e sustentada também na literatura, é essencial que a vivência da doença crónica seja entendida não só como um processo biológico, mas igualmente como um processo psicológico que compreende dor e sofrimento, que muitas vezes desencadeia a alteração do projeto de vida, com a consequente manifestação e desenvolvimento de reações emocionais perturbadoras ao nível do processo social[iv].

Face ao exposto, é missão da Associação Portuguesa de Hipertensão Pulmonar (APHP) continuar a intervir na sensibilização da comunidade para a existência desta doença e seus sintomas através de webinars, workshops, celebração do Dia Mundial de Hipertensão Pulmonar a 5 de maio, entre tantas iniciativas. A disponibilização de apoio psicossocial é outro recurso que a APHP garante aos nossos doentes e familiares face às necessidades que nos chegam, dia após dia, trabalho este que conta com a colaboração de vários voluntários dedicados a esta causa. Não esquecendo a luta pela atribuição do estatuto de doença crónica à Hipertensão Pulmonar para que os doentes possam beneficiar dos direitos inerentes.

Termino, com as palavras sábias da Maria João – doente de HP e fundadora da APHP – que nos deixou em 2022, mas que permanece em todos nós: “não nos podemos, simplesmente, render à hipertensão pulmonar: temos de reaprender a viver porque somos mais do que a doença”.

[i] Rubenfire, M., Lippo, G., Bodini, B.D., Blasi, F., Allegra, L., & Bossone, E. (2009). Evaluating health-related quality of life, work ability, and disability in pulmonary arterial hypertension: An unmet. Chest, 136, 597-603. doi: 10.1378/chest.08-1260

[ii] World Health Organization (2013). 10 facts on noncommunicable diseases. Retirado de: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases, acedido a 21 de abril de 2024.

[iii] Retirado de:https://www.cdc.gov/chronicdisease/about/index.htm, acedido a 21 de abril de 2024.

[iv] Amorim, M. I. (2015). Doença crónica: A importância da avaliação da qualidade de vida. In L. Santos, C. Parente, J. Ribeiro, & A. Pontes (Eds.), Promoção da saúde: Da investigação à prática, Volume 1 (pp. 22-27). Lisboa: SPPS, Editora, Lda.