O futuro da saúde passa, inevitavelmente, por uma descentralização inteligente dos cuidados, onde o domicílio assume um papel estratégico.
Artigo da responsabilidade de Sílvia Mendes. Diretora Técnica do Projeto TSM – Terapias em Movimento e Terapeuta Ocupacional
A saúde está a atravessar uma profunda transformação. Durante décadas, o paradigma dos cuidados foi centrado em instituições: hospitais, clínicas, centros de saúde. No entanto, uma tendência crescente – impulsionada por mudanças sociais, demográficas e tecnológicas – tem vindo a colocar o domicílio como um espaço privilegiado para a prestação de cuidados de saúde. Em Portugal, esta mudança começa a ganhar expressão, abrindo caminho para uma abordagem mais personalizada, humanizada e eficiente dos cuidados de saúde.
EVOLUÇÃO DO PARADIGMA DOS CUIDADOS DE SAÚDE
O modelo tradicional assenta na centralização dos serviços e na deslocação dos clientes até aos locais de prestação de cuidados. Este formato nem sempre responde às reais necessidades das pessoas, sobretudo da população envelhecida, com mobilidade reduzida ou doenças crónicas.
Por outro lado, o aumento da procura nos serviços de saúde tem gerado sobrecarga nas unidades hospitalares e longos tempos de espera, sendo colocada em causa a sua eficácia.
Neste contexto, os cuidados de saúde ao domicílio surgem como uma alternativa viável e complementar. Este modelo tem vindo a consolidar-se a nível internacional e começa a ganhar força em Portugal, não só como resposta a necessidades concretas, mas como parte de uma estratégia mais ampla de reestruturação do sistema de saúde (público e privado).
Vantagens dos cuidados ao domicílio
As terapias ao domicílio – como fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala, psicologia, nutrição ou cuidados de enfermagem – oferecem benefícios claros para os clientes, as famílias e para o próprio sistema de saúde.
Proximidade e conforto – O primeiro e mais evidente benefício é o facto de os cuidados serem prestados no conforto da casa da pessoa. Este ambiente familiar reduz o stress associado às deslocações e à institucionalização, favorecendo uma relação terapêutica mais próxima e eficaz.
Personalização dos cuidados – Em casa, os profissionais conseguem adaptar as intervenções às rotinas e ao contexto real da pessoa, tornando os planos terapêuticos mais funcionais e relevantes. A personalização é, cada vez mais, um requisito fundamental para o sucesso das intervenções.
Maior adesão ao tratamento – Ao reduzir barreiras como o transporte, a espera ou a dificuldade de mobilização, os serviços ao domicílio promovem uma maior adesão ao tratamento e uma melhor continuidade dos cuidados, fatores decisivos para a recuperação e manutenção da saúde.
Prevenção e promoção da autonomia – As terapias realizadas em contexto domiciliar têm um forte foco preventivo, ajudando a evitar internamentos desnecessários e a promover a autonomia funcional. A manutenção da independência tem impacto direto na qualidade de vida e nos custos associados à saúde.
Redução da sobrecarga do sistema público – Ao transferir parte dos cuidados para o domicílio, é possível aliviar a pressão sobre os serviços hospitalares, reduzindo internamentos evitáveis e libertando recursos para situações de maior complexidade.
REALIDADE PORTUGUESA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES
Portugal é um dos países europeus com maior índice de envelhecimento. Este cenário coloca desafios acrescidos à organização dos cuidados de saúde, nomeadamente no que diz respeito à gestão de doenças crónicas, à reabilitação e à manutenção da qualidade de vida de cada um de nós.
Apesar de alguns serviços públicos já integrarem respostas domiciliárias – como os cuidados continuados e os cuidados paliativos – a oferta ainda é limitada e frequentemente insuficiente face à procura. Esta lacuna tem vindo a ser colmatada por iniciativas privadas que apostam em modelos de intervenção multidisciplinar no domicílio.
A pandemia de covid-19 veio reforçar a importância dos cuidados prestados em casa, mostrando que é possível garantir segurança, qualidade e eficácia fora do ambiente hospitalar. Esta experiência acelerou a aceitação social e institucional dos serviços domiciliários, criando terreno fértil para o seu desenvolvimento futuro.
No entanto, persistem desafios significativos: a necessidade de regulamentação mais clara, a valorização profissional dos técnicos de saúde, a coordenação entre serviços e a equidade no acesso. A digitalização dos cuidados, com recurso à teleconsulta, monitorização remota e registos eletrónicos, será igualmente uma peça chave na consolidação deste novo paradigma.
Leia o artigo completo na edição de junho 2025 (nº 361)
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