A síndrome pós-covid é um problema sério, em parte, ainda desconhecido, para o qual urge alertar a sociedade. A resposta passa pela criação de consultas pós-covid nas unidades de saúde.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Luís Lebre. Diretor Clínico – Joaquim Chaves Saúde – Clínicas Médicas

 

Muita informação está disponível atualmente sobre a infeção aguda pelo vírus SARS-CoV-2, mas esta infeção tem um espetro muito mais alargado para além da fase aguda, nomeadamente no que apelidamos de fase de recuperação.

Em Portugal, já foi ultrapassado um milhão de casos de covid-19, que resultaram em cerca de 18.000 mortes e mais de 950.000 recuperações.

ESTARÃO MESMO RECUPERADOS?

A pergunta pertinente é esta: estarão mesmo recuperados? Estudos recentes apontam para que a infeção esteja longe de ser apenas uma questão localizada e momentânea, com cerca de 17% dos “recuperados” a necessitar de novo internamento e 7% a falecer 6 meses após a alta, como resultado de efeitos num vasto leque de patologias orgânicas e problemas autoimunes. Segundo um estudo norte-americano, 87,4 % dos doentes internados apresentam sintomas após a alta.

Embora a síndrome pós-covid continue a evoluir, tem sido sugerido pela comunidade científica o uso desta definição pela persistência de sintomas 3 a 4 semanas após o fim da replicação viral. Esta situação clínica advém da toxicidade direta do vírus, da lesão dos vasos sanguíneos, da desregulação do sistema imunitário com aumento da inflamação e da coagulação sanguínea.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS PÓS-COVID

Várias são as manifestações clínicas pós-covid, sendo que as mais persistentes são a nível respiratório. Este é o órgão habitualmente mais afetado pela infeção, podendo manifestar-se com uma panóplia de sintomas, como fadiga, falta de ar, tosse persistente, dor torácica, superinfeção bacteriana, entre outros.

Na área cardiovascular, também podem surgir queixas, como dor no peito, palpitações, enfarte agudo miocárdio, miocardite e fenómenos tromboembólicos.

A área neuropsiquiátrica apresenta uma importância acrescida, com distúrbios do sono, perda do olfato e paladar, formigueiros, falta de memória e concentração, acidentes vasculares cerebrais, aumento da ansiedade e sintomas depressivos.

Também podem surgir queixas gastrointestinais, como náuseas, vómitos, diarreia e perda do apetite. Tem sido referido a presença de diabetes, assim como a diminuição da função renal. Além disso, a pele pode também ser envolvida com vários tipos de erupções cutâneas e perda de cabelo.

AVALIAÇÃO CLÍNICA CRITERIOSA

Estamos ainda numa fase inicial da caraterização da síndrome pós-covid, sendo necessário uma pesquisa ativa e contínua, que inclua a identificação e caraterização clínica, laboratorial e imagiológica da mesma.

Surge, assim, a necessidade de uma avaliação clínica criteriosa pós-covid, através de uma consulta principalmente em doentes que tenham estado internados ou que passaram por unidades de cuidados intensivos, assim como em doentes com comorbilidades associadas, como diabetes, cancro e transplantados, entre outras.

Mesmo pessoas consideradas saudáveis que estiveram em contacto com o vírus devem passar por uma consulta, geralmente efetuada por um clínico generalista, mas que tenha uma abordagem multidisciplinar, com as várias especialidades médicas envolvidas – Pneumologia, Cardiologia, Psiquiatria, Neurologia, etc. – e com apoio de meios complementares de diagnóstico. A investigação deve ser direcionada principalmente para as áreas respiratória e cardiovascular, com recurso a exames de imagem, como TAC, Ecocardiograma e eventual AngioTAC. Uma avaliação analítica também é fundamental.

De ressaltar a avaliação da resposta imunitária à infeção, através do doseamento de anticorpos, que pode vir a ser decisiva na necessidade de nova dose de vacina no futuro.

ALERTAR A SOCIEDADE

A deteção precoce de sintomas ou sinais silenciosos, que numa primeira fase o doente e até mesmo o clínico não associam imediatamente à covid-19, pode vir a ser decisiva.

O diagnóstico destas condições é de uma importância extrema para uma adequação terapêutica eficaz, evitando problemas de maior para o doente no futuro.

A comunidade médica tem uma responsabilidade acrescida em alertar a sociedade para este problema, ainda numa fase muito inicial e, em parte, desconhecido, criando consultas pós-covid nas unidades de saúde e promovendo uma campanha de comunicação séria sobre este assunto.

Leia o artigo completo na edição de outubro 2021 (nº 319)