Os vírus são um tipo muito especial de micro-organismos, que produzem um vasto leque de doenças. Muitas vezes, são inócuos, mas outras podem ser graves ou mortais. Contudo, face à pandemia provocada pelo covid-19, é legítimo colocar a questão: serão os vírus, nas suas estirpes mais perigosas, uma ameaça real à espécie humana? Para responder a esta pergunta é necessário conhecer um pouco melhor o que são os vírus.

 

Em 1898, o botânico M. W. Beijerinck descobriu que, se se filtrassem certas culturas de bactérias – gérmenes dos quais se conhecia a sua capacidade para produzir doenças –, o produto filtrado podia conservar a mesma capacidade patológica. Isso queria dizer que existiam partículas mais pequenas do que as bactérias, invisíveis ao microscópio: deram-lhes, consequentemente, o nome de “vírus filtráveis”.

As investigações continuaram e, a partir de 1910, começaram a cultivar-se micro-organismos, que não cresciam em ambientes de laboratório habituais: apenas o faziam sobre o cultivo de células vivas de plantas ou animais. Estas substâncias eram, por conseguinte, capazes de produzir doenças, mas não de se reproduzir por si mesmas. Este fenómeno desafiava todos os conhecimentos existentes na época, sobre a multiplicação dos seres vivos.

Imagine-se a expetativa que se criou quando um dos mais famosos investigadores da época anunciava, na véspera de um importante congresso médico, que iria esclarecer, definitivamente, o que era um vírus. Chegado o momento, afirmou: “Um vírus é um vírus!”. Vejamos o que quis dizer.

Característica comum

No vasto reino dos seres vivos, a imensa maioria – desde a mais humilde das bactérias até à planta mais exótica ou ao mais complexo vertebrado – compartilha uma característica comum: são formados por células. Os organismos superiores têm-nas aos milhões, muitas delas especializadas em funções concretas; as bactérias, por seu lado, contam com uma só célula.

Todas as células, independentemente do ser de onde provêm, apresentam características comuns: estão sempre rodeadas por, pelo menos, uma membrana externa; contêm um líquido – o citoplasma – e uma série de pequenos órgãos internos – as organelas –, cada um encarregado de uma função básica – secreção, geradora de energia, armazenamento, etc. E todas as células têm uma capacidade fundamental, que as define como seres vivos: o poder de se dividirem em duas células idênticas. A respetiva herança genética está contida em grandes moléculas de ácido desoxirribonucleico (ADN), que transportam toda a informação necessária para fazer funcionar a nova célula. As células são visíveis ao microscópio. Durante muito tempo, para se considerar um organismo como um ser vivo, exigia-se que fosse composto por uma ou mais células.

Minúsculas formas de vida

Os vírus, que não são visíveis ao microscópio ótico – apenas no eletrónico –, não têm citoplasma nem organelas. São os agentes infecciosos mais pequenos de que temos conhecimento.

Não surpreende, pois, que durante muito tempo os vírus não fossem vistos como seres vivos. A sua simplicidade é extrema: cada partícula viral é formada por uma única molécula de ADN ou de ácido ribonucleico – ARN –, mais simples ainda do que o ADN, rodeado por umas quantas proteínas, que se conhecem como cápside ou nucleocápside. Podem adotar uma forma icosaédrica – de um poliedro com 20 lados – ou helicoidal. Ocasionalmente, rodeiam-se de uma cobertura semelhante à de uma membrana, “roubada” à célula em que se reproduzem; mas nunca têm citoplasma.

Estas partículas, por si mesmas, são inertes e incapazes de se autorreproduzirem. Também não têm metabolismo: não gastam nem produzem energia, como qualquer organismo celular. Este comportamento contrasta fortemente com os das bactérias, que se reproduzem a grande velocidade – chegam a duplicar o seu número em poucas horas – e que precisam de nutrição.

Especialistas e aproveitadores

Para se reproduzirem, os vírus necessitam de invadir uma célula viva e aproveitar-se dela. As proteínas que os rodeiam servem para isso: fazem com que adiram a diferentes tipos de células. Existem vírus que produzem “doenças” nas próprias bactérias, outros em plantas e outros em animais, incluindo o ser humano. Alguns vírus são capazes de afetar várias espécies de animais e outros apenas uma espécie; e cada vírus especializa-se num tipo distinto de células: uns entram nas do fígado – e produzem hepatite –, outros nos linfócitos – o HIV, que causa a SIDA –, outros na mucosa do nariz – os das constipações – e assim sucessivamente.

Surgem, então, os problemas. As proteínas ficam de fora, enquanto o ADN ou o ARN do vírus entra na célula. Estes ácidos nucleicos levam a informação necessária para programar a célula invadida, conseguindo que esta trabalhe para ele, pois a célula deixa de ser capaz de distinguir se a informação é proveniente do invasor ou de si mesma. É como se, entre as ordens de trabalho que partem do diretor de uma fábrica, alguém introduzisse, sub-repticiamente, outras ordens, com a intenção oculta de destruir a própria fábrica!

A célula vê-se, portanto, obrigada a produzir todas as proteínas que o ácido nucleico do vírus lhe indica, proteínas estas que são as do vírus. Além disso, reproduzem-se várias cópias do ácido nucleico do invasor. Quando a quantidade de proteínas e de ácido nucleico do vírus é suficiente, estes dois componentes associam-se, formando centenas ou milhares de novos vírus. Estes alteram o funcionamento da célula e, em muitos casos, destroem-na, libertando os vírus, que voltam a introduzir-se nas células próximas, onde se repete o ciclo, cada vez com maior rapidez.

Enorme diversidade

Tão numerosas como os vírus são as doenças por eles produzidas. As viroses mais frequentes são as constipações. Nelas, os vírus implicados são muito numerosos.

Algo de semelhante acontece com as gastroenterites, especialmente nas crianças, com os quadros gripais ou com muitas conjuntivites. Nestes casos, as defesas – o sistema imunológico – de cada um são capazes de fazer frente à infeção, vencendo-a em poucos dias.

Quando ocorre uma infeção por vírus, o médico tenta, em primeiro lugar, assegurar-se – através da história clínica, da observação e, por vezes, de alguns exames complementares – de que não se trata de uma doença produzida por bactérias, uma vez que, nesse caso, seria necessário usar antibióticos.

Uma vez que o médico tenha atribuído a infeção a um vírus banal, parecerá despreocupado: é que estas infeções curam-se, geralmente, por si próprias. Não tentará averiguar qual foi o vírus causador do quadro, uma vez que as opções são inúmeras e não haveria qualquer utilidade para o doente, pois o quadro clínico e o tratamento seriam idênticos. Além do mais, não se dispõe de fármacos eficazes contra a maioria dos vírus.

É lógico, portanto, que o seu médico o tranquilize e lhe assegure que se curará, limitando-se a prescrever-lhe medidas simples de conforto: analgésicos, antipiréticos, anti-histamínicos ou antidiarreicos. A maioria destes medicamentos vende-se sem necessidade de receita médica.

Casos mais graves

No entanto, a atitude do médico nem sempre será igual. Quando os vírus são os causadores de doenças mais graves – uma hepatite vírica, por exemplo –, o especialista fará todo o possível por identificar o tipo de vírus. Nestes casos graves e que ainda não dispõem de tratamento, é importante saber qual o causador, para estabelecer o grau de infeção previsível e o prognóstico da doença.

A lista de doenças graves produzidas por vírus não é pequena. As denominadas doenças exantemáticas das crianças – sarampo, rubéola, varicela, entre outras; as hepatites, os herpes, as pneumonias, as miocardites, as encefalites, a poliomielite ou a SIDA são alguns exemplos. Isso sem mencionar as infeções por vírus que aparecem em pessoas nas quais a imunidade é menor, em resultado de tratamentos de quimioterapia, da imunossupressão associada aos transplantes ou de SIDA. Todas elas estão submetidas, além disso, aos ataques de vírus que não conseguem lesar as pessoas sãs, mas que podem ser extremamente graves para os imunodeprimidos, como o citomegalovírus.

Em resumo, os vírus são um tipo muito especial de microrganismos, que produzem um vasto leque de doenças. Muitas vezes, são inócuos, mas outras podem ser graves ou mortais.

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SAUDE E BEM-ESTAR 304 abr20 – 12Mb