Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria, sublinha que, mesmo em algumas infeções frequentes em Pediatria, como as otites, já há evidência robusta de que a maioria se resolve sem recurso a antibióticos. E acrescenta que este tipo de medicamentos só deve ser usado com indicações específicas e bem fundamentadas. 

Numa altura em que se aproximam os meses mais frios e que as urgências de Pediatria já registam uma afluência acima da média, Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria, alerta que determinados tipos de ocorrências, principalmente respiratórias ou digestivas têm etiologia vírica e que “a prescrição de antibióticos pode ser inútil ou até deletéria”.

Na sua opinião, o frequente recurso a consultas de doença aguda, principalmente consultas de urgência, faz com que tudo se resuma a um ato médico isolado sem seguimento de evolução”. E, nesse contexto, “os médicos acabam por recorrer, talvez por excesso, à prescrição de antibióticos, o que talvez não fizessem se estivessem a observar uma criança que já conhecem de outras consultas e que poderiam reavaliar quando necessário”.

No início de mais uma Semana Mundial de Consciencialização sobre o uso de Antimicrobianos (18 a 24 de novembro) e do primeiro inverno pós-pandemia, do qual se espera uma maior incidência de infeções – as crianças estiveram isoladas e não adquiriam imunidade natural a alguns agentes – o médico especialista em Pediatria e Gastrenterologia Pediátrica reconhece que é compreensível a angústia dos pais quando têm um filho doente, mas recomenda uma utilização criteriosa dos antibióticos e o seguimento das crianças, sempre que possível, com o médico habitual.

“O tratamento mais difícil em Pediatria é a paciência! É compreensível que os pais tenham enorme ansiedade perante o seu filho doente e febril, esperando que algum medicamento mágico faça ‘desaparecer o bicho’”, frisa. E lembra que, do lado dos médicos, “pode haver a tentação de atuar ‘por excesso’ acautelando a hipótese, ainda que improvável, de infeção bacteriana”, se a avaliação ocorrer apenas no decurso de consulta de agudos.

“Por tudo isto, e pelo risco de erros de diagnóstico que podem ser corrigidos com controlo de evolução adequado, a principal regra deve ser usar o contacto com o médico que habitualmente observa a criança. O conhecimento dos antecedentes, de episódios semelhantes, de fatores de risco específico e a possibilidade de reavaliar a criança sempre que necessário, justifica que seja esse médico a acompanhar os episódios de doença aguda nas crianças”, sustenta Jorge Amil Dias. As exceções são os casos de emergência, como as convulsões, choque, hemorragia, desidratação, exantemas de evolução rápida, etc., que justificam ação emergente em serviço hospitalar.

Riscos para o intestino e para a imunidade 

O médico alerta ainda para os riscos do uso inadequado e prolongado dos antibióticos na saúde das crianças, em particular no intestino, quando tomados por via oral, o primeiro ponto de contacto e de “inevitáveis consequências”. Explica que “a generalidade dos antibióticos é ingerida na sua forma ativa pelo que exercem efeito modificador da abundante microbiota (flora) intestinal com potenciais consequências de índole clínica”. A conhecida diarreia associada aos antibióticos é uma das consequências mais frequentes dessa situação. Embora a duração desta diarreia seja variável e geralmente de curta duração, é, ocasionalmente, prolongada.

Jorge Amil Dias frisa que a ciência da interação entre a microbiota intestinal, o sistema imunitário e a saúde em geral, ainda é um campo de vasta investigação e rápida modificação de conceitos. No entanto, adianta que há estudos, principalmente em modelos animais, que têm mostrado que a modificação da microbiota tem implicações relevantes no estado nutricional e imunitário com risco atópico associado.

“No mundo real, mais complexo e com numerosas interações, é arriscado fazer afirmações definitivas, mas o princípio da precaução recomenda que haja vigilância de efeitos potenciais, especialmente em cenários que exijam tratamento antibiótico prolongado ou de largo espectro”, afirma. E acrescenta que “a prescrição excessiva de antibióticos, particularmente de largo espectro, têm feito emergir uma outra consequência de enorme gravidade decorrente da aquisição de resistências e emergência de novas estirpes de alto risco patogénico”.

O intestino é uma das principais barreiras entre o meio exterior e o meio interior e tem um papel primordial no amadurecimento e na manutenção do sistema imunitário, identificando o que é benéfico permanecer no intestino. Os antibióticos matam tanto as bactérias nocivas, como as que contribuem para a imunidade e bem-estar, pelo que podem desequilibrar a vasta comunidade de microrganismos que habita este órgão do sistema digestivo.

O desequilíbrio da microbiota intestinal induzido pela toma frequente e repetida de antibióticos pode desencadear, além da diarreia, inúmeras doenças alérgicas e do aparelho digestivo, pelo que este tipo de medicamento só deve ser tomado quando prescrito pelo médico e pelo prazo indicado. Para a reposição do equilíbrio da microbiota intestinal recomenda-se uma alimentação com mais produtos frescos e orgânicos e menos produtos refinados, ingestão de água. A suplementação com probióticos, naturalmente resistentes a antibióticos, pode ajudar a prevenir e a tratar a diarreia induzida pela toma de antibióticos.