O tromboembolismo venoso constitui uma condição médica com grande impacto na população em geral e nos doentes hospitalizados em particular, com elevada morbilidade e mortalidade, mas com grande potencial para ser prevenido.


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Dr. Daniel Brandão, Secretário Geral da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular 

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Dr. João Albuquerque e Castro, Presidente da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular

O tromboembolismo venoso (TEV) constitui uma entidade nosológica que engloba a trombose venosa profunda – formação de trombos no interior das veias profundas, geralmente dos membros inferiores – e o tromboembolismo pulmonar – obstrução das artérias do pulmão causada pela migração dos trombos primariamente formados nos membros inferiores e posteriormente bombeados pelo coração para os pulmões. Trata-se de uma condição frequente, potencialmente fatal, não raras vezes esquecida, com tendência a recidivar, que afeta indivíduos internados ou não e que resulta em complicações a longo prazo, incluindo síndrome pós-trombótica e hipertensão pulmonar crónica.

TERCEIRA DOENÇA VASCULAR MAIS FREQUENTE

De facto, o TEV constitui a terceira patologia vascular mais frequente, após a doença cerebrovascular (AVC/AIT) e a doença cardíaca isquémica (angina de peito e enfarte agudo do miocárdio). Tem uma incidência estimada de 1,5 eventos de TEV por 1.000 pessoas/ano, sensivelmente. A condição de hospitalizado é responsável por dois terços dos eventos de TEV e a embolia pulmonar representa a terceira causa mais frequente de morte relacionada com o internamento hospitalar e, simultaneamente, a causa potencialmente evitável mais comum de mortalidade relacionada com a hospitalização.

A mortalidade no TEV é cerca de 1-10% conforme as séries, sendo mais elevada nos doentes idosos, especialmente quando associado a doenças oncológicas. Acresce-se que o número de mortes na Europa relacionadas com TEV foi estimado em mais de meio milhão por ano, ou seja, mais do dobro do número somado de mortes provocadas por VIH/SIDA, cancro da mama, cancro da próstata e acidentes rodoviários. O TEV constitui, assim, um problema major de saúde pública.

FATORES DE RISCO HEREDITÁRIOS E ADQUIRIDOS

O tromboembolismo venoso resulta de uma combinação de fatores de risco hereditários e adquiridos. As situações hereditárias ou genéticas mais relevantes são consequência de alterações na síntese e/ou função de diversos fatores de coagulação, que resultam numa capacidade de coagulação aumentada do sangue.

Por outro lado, constituem as circunstâncias adquiridas predisponentes de tromboembolismo venoso possivelmente mais relevantes a idade avançada, a obesidade, os procedimentos cirúrgicos (maior risco para as cirurgias ortopédicas e para as cirurgias de maior duração), os traumatismos major, a imobilização, as condições oncológicas, a quimioterapia, os contracetivos orais, a gravidez, o puerpério e a síndrome antifosfolipídica.

DOR E EDEMA

Os sintomas típicos de trombose venosa profunda incluem dor e edema. A observação revela, essencialmente, a presença de edema tenso e assimétrico (estando o nível dependente da veia ou veias envolvidas), podendo ainda ser detetável um discreto rubor e alteração da temperatura da pele (mas claramente menos marcados e de características diversas relativamente a eventos infecciosos) e ainda veias colaterais assimetricamente dilatadas.

A phlegmasia cerulea dolens constitui uma condição particular de trombose venosa profunda. Em regra, surge em consequência de uma flebotrombose femoro-ilíaca oclusiva, frequentemente num contexto paraneoplásico, em que a obstrução marcada do fluxo venoso do membro resulta numa situação de hipertensão venosa com repercussão ao nível da microcirculação, podendo originar isquemia tecidular e eventual necrose, mesmo com o sistema arterial permeável. Trata-se, assim, de uma condição singular que exige intervenção vascular urgente.

TEV PODE SER PREVENIDO

A confirmação do diagnóstico de um TEV deverá basear-se em fatores clínicos, analíticos e imagiológicos (em regra, ecoDoppler venoso dos membros inferiores para avaliar presença de uma trombose venosa profunda e TAC torácico para determinar a ocorrência de um tromboembolismo pulmonar).

Contudo, o TEV pode, num grande número de casos, ser prevenido. Assim, em regime hospitalar, será relevante, em primeira mão, proceder a uma abordagem sistemática com estratificação do risco de cada doente. Desta forma, será importante distinguir os doentes cirúrgicos dos restantes, considerar o tipo de cirurgia prevista e respetiva duração e se a mesma se realizará em regime de ambulatório ou de internamento.

A profilaxia primária do tromboembolismo venoso, nesse âmbito, consiste em medidas farmacológicas (por regra, heparina de baixo peso molecular subcutânea); e não-farmacológicas ou mecânicas (meia elástica e compressão pneumática intermitente), que carecem de individualização de acordo com os critérios já mencionados. Adicionalmente, poder-se-á recomendar à população, de uma forma geral, que deambule ou mobilize os pés e as pernas com regularidade em viagens longas, particularmente se estas forem de avião.

TERAPÊUTICA ANTICOAGULANTE

A presença confirmada de um TEV deve suscitar a instituição pronta de terapêutica anticoagulante, no sentido de limitar a progressão do trombo localmente e impedir a migração do trombo e consequente tromboembolismo pulmonar (no caso de uma trombose venosa profunda).

Assim, os doentes deverão iniciar, logo que possível, o tratamento com anticoagulantes parentéricos em dose terapêutica (em regra, heparina de baixo peso molecular por via subcutânea). O tratamento concomitante com antagonistas da vitamina K por via oral (varfarina, acenocumarol, etc.) não deverá ser retardado, devendo ser iniciado no mesmo dia. A sobreposição terapêutica (anticoagulante parentérico e antagonista da vitamina K) necessitará ser mantida por um período mínimo de cinco dias e até ter-se atingido um INR no intervalo terapêutico pretendido (INR – parâmetro que permite avaliar o nível de anticoagulação a que o doente se encontra).

Os novos anticoagulantes orais (rivaroxabano, apixabano, dabigatrano, etc.) surgem como uma potencial alternativa válida à terapêutica médica mais convencional atrás descrita, com possíveis vantagens. De facto, a atividade destes é mais previsível em comparação com os antagonistas da vitamina K, não carecendo, desta forma, de uma vigilância analítica regular (INR). Adicionalmente e de acordo com os estudos já publicados, estes fármacos apresentam uma eficácia e segurança que surgem como, pelo menos, sobreponíveis à terapêutica mais convencional. Não obstante, a introdução destes novos fármacos deverá ser ponderada caso a caso.

EVOLUÇÃO RELEVANTE

Em circunstâncias muito específicas, poderá igualmente haver indicação para intervenção cirúrgica (por cirurgia aberta ou endovascular) na fase aguda.

Após o tratamento em fase aguda, a determinação do período da terapêutica anticoagulante a médio/longo prazo deverá ter em linha de conta os seguintes aspetos:

  • primeiro episódio versus episódio recorrente de trombose venosa profunda;
  • fator precipitante contínuo, transitório ou desconhecido (trombose venosa profunda idiopática);
  • risco de hemorragia;
  • presença de neoplasia maligna subjacente;
  • preferência do doente.

Em suma, o TEV constitui uma condição médica com grande impacto na população em geral e nos doentes hospitalizados em particular, com elevada morbilidade e mortalidade, mas com grande potencial para ser prevenido.

A identificação dos indivíduos com maior risco de desenvolver TEV e a introdução das medidas profiláticas adequadas são, assim, fundamentais para esse desiderato. Adicionalmente, o tratamento desta condição tem recentemente sofrido alterações relevantes, com a introdução dos novos anticoagulantes orais, que possivelmente virão, a curto prazo, a constituir o tratamento de primeira escolha na maioria dos casos.

Artigo publicado na Edição de Outubro 2015 (nº 254)