A síndroma de Ulisses é uma doença psicológica provocada pela solidão, o sentimento de fracasso, a dureza da luta diária pela sobrevivência e o medo e falta de confiança nas instituições, que está a afetar cada vez mais os migrantes, ao ponto de já terem sido diagnosticados milhares de casos.

 

Um imigrante é alguém que procura trabalho e deseja fixar residência noutro país, em busca de uma vida melhor, com mais condições do que aquelas que o seu país de origem oferece. Já um migrante – termo, infelizmente, muito em voga nos últimos tempos – é o indivíduo que foi obrigado a mudar de país ou mesmo de continente, frequentemente em fuga da perseguição política, da guerra e da fome.

Qualquer que seja o sonho ou o desespero, ser imigrante ou migrante pode provocar um transtorno psicológico que dá pelo nome de síndroma de Ulisses.

STRESS MÚLTIPLO E CRÓNICO

Ulisses era o protagonista da “Odisseia”, de Homero, e um homem que se viu obrigado a vaguear durante anos longe do seu país, fazendo frente a inúmeras adversidades, para, ao regressar a casa, perceber que tudo tinha mudado. É desta obra épica que surge o nome atribuído, em 2002, pelo psiquiatra catalão Joseba Atxotegui ao transtorno característico do imigrante.

A síndroma de Ulisses, ou síndroma de stress múltiplo e crónico ligado à migração, sempre existiu, mas nos últimos 20 anos começou a ser identificado como um sério problema de saúde mental, que afeta cada vez mais imigrantes.

MILHARES DE CASOS

Apesar de nem todos os imigrantes serem afetados por esta síndroma e de, em Portugal, não se saber qual a percentagem de pessoas que dela padecem, calcula-se que possa afetar milhares.

Mesmo sem estudos concretos sobre esta problemática da saúde mental, as entidades nacionais têm referências sobre esta temática. No sítio de Internet do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), a síndroma de Ulisses é indicada como uma doença psicológica provocada pela solidão, o sentimento de fracasso, a dureza da luta diária pela sobrevivência e o medo e falta de confiança nas instituições, que está a afetar cada vez mais os imigrantes, ao ponto de já terem sido diagnosticados milhares de casos.

Alguns especialistas vão mais longe e garantem que este cenário é muito mais sério do que se possa pensar, face aos recentes fluxos de refugiados no Norte de África e Médio Oriente, e ainda mais recentemente, da Ucrânia.

CAUSAS DA TENSÃO

Existe uma série de fatores que facilitam o aparecimento desta doença. Mudar-se para um país estrangeiro – mesmo que por vontade própria –, na maioria das vezes sem companhia e sem meios económicos, produz um forte sentimento de solidão e estranheza. Além do mais, a luta pela sobrevivência pode ser muito dura. Muitas destas pessoas têm uma imagem idílica dos países que escolhem para se fixar, mas acabam por ser vítimas da sua própria condição de “estrangeiros”, caindo nas malhas da exploração, racismo e marginalização. A isto junta-se o facto de enviarem a maior parte do dinheiro que conseguem ganhar para os familiares que ficaram no seu país natal, o que, em consequência, os leva a descurar a alimentação, a saúde e o bem-estar.

Também são motivo de stress os lugares em que habitam, espaços exíguos, por vezes partilhados por várias pessoas, e que não cumprem os requisitos de habitabilidade.

As suas tradições perdem valor, muitos não dominam o novo idioma, têm dificuldades em arranjar trabalho e não sabem como sair da espiral descendente. Estes fatores podem traduzir-se num agudo sentimento de fracasso, vivendo em constante ansiedade e em situações dramáticas que os impedem de fazer face às adversidades.

HÁ SOLUÇÃO!

Mas a precariedade mental destes indivíduos tem tratamento. A melhor forma de superar um quadro clínico desta natureza passa por encontrar uma maneira de se integrar no destino. Para tal, os especialistas enfatizam a necessidade de criar, por parte dos países recetores, políticas de integração sociocultural mais eficazes. O apoio de redes sociais ou de vizinhos pode contribuir para aliviar esta síndroma. Dialogar com os que sofrem, oferecer-lhes ajuda, explicar os costumes de quem os acolhe ou convidá-los para uma refeição pode ser o que basta para potenciar a sua autoestima e assim evitar que caiam em situações depressivas. Também ajuda, alertam os especialistas, se receberem uma ajuda sanitária adequada, incluindo a oportunidade de receber tratamento farmacológico.

Os Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) ou a Linha de Apoio a Migrantes (808 257 257) podem ser uma importante ajuda na integração, pois prestam apoio jurídico, psicológico e sanitário.

Leia o artigo completo na edição de dezembro 2021 (nº 322)