A esquizofrenia é, provavelmente, uma das doenças mais estigmatizadas do mundo. É de supor que a sua estigmatização – como antes a tuberculose, o cancro ou a sida – se deva ao facto de não existir ainda cura para esta perturbação mental que afeta 1 em cada 100 pessoas. No entanto, a medicação é uma importante ajuda no controlo dos seus efeitos.

  

Artigo da responsabilidade do Dr. Serafim Carvalho, Psiquiatra – Hospital de Magalhães Lemos; Doutorado em Psicologia (FPCEUC); Professor Auxiliar – Instituto Universitário de Ciências da Saúde; Investigador – CINEICC, Universidade de Coimbra

 

Um estudo recente, realizado em Portugal, mostra que, de acordo com as estimativas, a prevalência da esquizofrenia no País é de 0,57%, correspondendo a cerca de 48 mil doentes e que, destes, cerca de 7 mil estão sem tratamento psiquiátrico especializado. Calcula-se que o custo para a economia tenha sido, em 2015, de cerca de 440 milhões de euros.

As pessoas com esquizofrenia caracterizam-se por terem dificuldades em uma ou mais áreas da vida quotidiana, nomeadamente aquelas relacionadas com as relações interpessoais e familiares, o trabalho, o desempenho académico, a capacidade para viver de forma independente e prestar autocuidados.

Uma das suas principais características está ligada ao facto de, em determinados momentos da doença, as pessoas com esquizofrenia não terem a noção de que estão doentes, uma vez que esta implica uma perda de contacto com a realidade nos períodos de agudização. Esta perda de contacto com a realidade resulta de sintomas psicóticos, nomeadamente alucinações e delírios. Para além dos sintomas positivos (delírios e alucinações), existem outros sintomas que são habitualmente classificados como sintomas negativos (isolamento social), cognitivos (perda de atenção, concentração e memória) e afetivos (ansiedade e depressão).

Embora se desconheça a verdadeira causa da doença, sabe-se que diferentes fatores, como os genéticos, certos tipos de acontecimentos de vida, fatores ambientais, como certas viroses, ou uso de drogas e substâncias ilícitas como o haxixe, contribuem para o desenvolvimento da esquizofrenia.

Os primeiros sinais de esquizofrenia surgem durante a adolescência ou no início da idade adulta, o que não significa que não possam surgir mais tarde. As características psicóticas da esquizofrenia surgem, em geral, entre os 15 e os 45 anos, mas podem surgir antes da puberdade ou após os 50 anos, embora raramente. Tanto os homens como as mulheres podem vir a desenvolver esquizofrenia, sendo que nos homens os sintomas tendem a surgir um pouco mais cedo.

Ao contrário da crença habitual, as pessoas com esquizofrenia não têm “dupla personalidade” e a maioria das pessoas que sofrem desta doença não constitui perigo para os outros. Cada pessoa viverá de forma única esta doença crónica, sendo que uma parte não vê a sua vida condicionada pela mesma; esse facto é muito dependente de precocidade do diagnóstico e do modo como é feito o tratamento nos primeiros anos da doença.

MEDICAÇÃO ADEQUADA ÀS NECESSIDADES

Para uma evolução favorável e menos incapacitante muito contribuem as terapêuticas existentes. O tratamento, sobretudo nos primeiros anos da doença, tem um papel crucial para as pessoas com esquizofrenia, e não passa apenas pela medicação, mas também por aprender a viver com a doença e saber identificar os fatores potenciais de recuperação e de risco para um agravamento da mesma.

No processo de recuperação, o apoio das pessoas mais próximas (familiares, cuidadores e amigos) é fundamental, sendo que também estes precisam de ter acesso a informação clara sobre a doença e as suas manifestações e tratamentos. Neste sentido, os grupos de apoio para pessoas com a doença e suas famílias são um recurso que se tem mostrado muito eficaz.

Na maioria dos casos, a combinação da medicação com outras abordagens psicossociais constitui-se como a melhor abordagem para o início da recuperação, sendo posteriormente adaptada às necessidades de cada pessoa.

No que diz respeito à vertente farmacológica, os medicamentos chamados “antipsicóticos” constituem a base deste tipo de tratamento e dividem-se em dois tipos, consoante a via de administração: orais e injetáveis. A medicação oral está disponível em comprimidos, solução oral ou comprimidos orodispersíveis (que se dissolvem na boca), e implica toma diária, eventualmente várias vezes ao dia. A medicação injetável, como o nome indica, administra-se através de uma injeção intramuscular, a qual é tomada com intervalos de 2-4 semanas, ou mais recentemente a cada 3 meses, ou seja, 4 vezes por ano. A escolha do tipo de medicação varia de pessoa para pessoa, tendo em conta a forma como a doença se manifesta, sendo assim importante a participação ativa e regular nas consultas, para que, em conjunto com o médico, se possa avaliar qual o medicamento mais indicado e monitorizar a sua eficácia e possíveis efeitos secundários.

Existem, no entanto, muitos preconceitos associados à medicação antipsicótica (desde logo, a ideia de que impedem a pessoa de viver ativamente), mas se usados nas doses apropriadas, os fármacos antipsicóticos ajudam a que sejam controlados os sintomas que impedem a pessoa de prosseguir com os seus objetivos de vida. Embora estes fármacos possam ser sedativos em algumas pessoas e este efeito possa ser útil em circunstâncias especiais (tais como no início do tratamento, especialmente se a pessoa estiver muito agitada), a utilidade destes fármacos não se deve à sedação, mas sim à sua capacidade de reduzir as alucinações, a agitação, a confusão e os delírios associados a um episódio psicótico.

Leia o artigo completo na edição de março 2018 (nº 281)