A saúde mental é, em Portugal, há várias décadas, o elemento mais descurado do Sistema Nacional de Saúde: desde os atrasos na implementação e desenvolvimento de medidas, à falta de respostas e, claro, à escassez de recursos humanos.

Artigo da responsabilidade da Dra. Marisa Marques. Psicóloga Clínica e da Saúde; Trofa Saúde Hospital de Barcelos e Trofa Saúde Hospital de Braga Norte.

 

 

A crescente incidência da doença mental, os vários relatórios sobre a situação da saúde mental e a voz das famílias e dos doentes poderão contribuir para que o Governo dê maior importância a este sector e inclua nos Orçamentos de Estado algumas medidas que permitam desenvolver novas respostas.

A saúde mental não pode centrar-se apenas no tratamento e estabilização da doença mental e na reabilitação, tendo em vista a inclusão social e profissional. É necessário também que, em simultâneo, o Governo promova a saúde mental e previna a doença mental, investindo na criação de modelos de intervenção adequados e no aumento do número de profissionais de saúde. Só desta forma permitirá dar resposta aos problemas, de forma mais célere e com um acompanhamento mais adequado, para que não se desenvolvam problemas mentais mais graves, crónicos e incapacitantes.

PANDEMIA AGRAVOU O CENÁRIO

Para agravar a situação do SNS, o surgimento da pandemia de covid-19, que resultou em confinamentos sucessivos e isolamento social, na redução de horário laboral e, em muitos casos, na perda de emprego e de rendimentos, afetou a vida das famílias e a estabilidade emocional da maioria das pessoas, assim como dificultou ainda mais o acesso a cuidados de saúde e de saúde mental.

Estes constrangimentos foram a causa de repercussões severas ao nível da saúde mental da população, quer nos doentes diagnosticados e que já se encontravam em tratamento, quer nas pessoas que começaram a manifestar problemas de saúde mental, devido à insegurança e medo da situação que viveram, desencadeando crises associadas a patologias mentais que, atualmente, requerem atenção e tratamento adequado e atempado.

Durante o período da pandemia, o SNS, para acudir às necessidades dos doentes covid, perdeu a capacidade de resposta aos doentes que se encontravam em tratamento e, por sua vez, incapacitou o sistema de responder a doentes que procuravam os cuidados de saúde mental pela primeira vez. Toda esta situação resultou num aumento significativo da prevalência da doença mental.

DIREITO AO BEM-ESTAR MENTAL

É fulcral que nos próximos tempos o SNS retome e aumente a prestação de cuidados de saúde e saúde mental primária e secundária, bem como as respostas de cuidados continuados em saúde mental.

Da mesma forma que é importante a dedicação e investimento do SNS, é também importante que a sociedade compreenda a necessidade de investir na saúde mental. Em pleno século XXI, ainda existe um estigma associado à doença mental, que é preciso eliminar. O diagnóstico e acompanhamento dos doentes é fundamental para que ganhem anos de vida e para que mantenham a sua participação ativa na sociedade.

Todos nós temos o direito ao bem-estar mental, da mesma forma que temos ao bem-estar físico e ao bem-estar social. Estas três componentes são absolutamente indissociáveis, pois a doença mental surge, muitas vezes, associada a uma doença/lesão física/orgânica, em que os doentes sofrem psicologicamente com isso. Portanto, é essencial garantir que têm o acompanhamento e o apoio necessários, realçando que este é um problema que afeta, não só, os doentes, mas também as famílias.

AINDA HÁ MUITO A FAZER

Atualmente, a resposta da saúde mental no âmbito do SNS tem enfrentando um enorme desafio e é fundamental atuar enquanto a normalidade social está a ser gradualmente restabelecida, antecipando as necessidades e as respostas, no médio e longo prazo.

Felizmente, o coordenador nacional das políticas de saúde mental defende que o investimento nesta área no Serviço Nacional de Saúde, que atualmente ronda os 5%, deveria duplicar dentro de alguns anos, de forma a minimizar todas as consequências.

É positivo o facto de, neste momento, a saúde mental ser considerada uma prioridade de uma forma transversal à sociedade portuguesa, devido às consequências provocadas pela covid-19. Contudo, grande parte do impacto da saúde mental relacionado com a covid não foi na doença mental grave, mas na doença mental chamada comum. E os cuidados de saúde primários não estavam totalmente preparados para isso, porque falta lá toda a vertente de apoio psicológico, pelo que o país tem de ter respostas não farmacológicas nos cuidados primários.

Apesar de vermos alguns passos a serem dados, é certo que ainda há muito a fazer na área da saúde mental. Esta deve ser trabalhada da mesma forma que a restante saúde, ou seja, muito antes de aparecer a doença. E estas ações devem começar muito cedo na vida das pessoas, pois os problemas de saúde mental estão cada vez mais associados à incapacidade para a atividade produtiva, o que se torna mais dispendioso para o Estado do que o investimento na Saúde Mental. Além disso, é importante relembrar que estas doenças são das principais causas de morbilidade e morte prematura em todo o mundo.

Leia o artigo completo na edição de outubro 2022 (nº 331)