Uma análise eventualmente controversa da Medicina, da Psicologia e do efeito placebo na saúde.

Artigo da responsabilidade do Dr. Alexandre Bogalho. Psicólogo Clínico. Neuropsicólogo de um Centro de Medicina de Reabilitação de Adultos

 

Há muito tempo, a medicina aceitou que eventos traumáticos exercem um impacto adverso no coração humano. A manifestação mais extrema desse fenómeno é conhecida como “síndrome do coração partido” ou cardiomiopatia de Takotsubo, na qual situações promotoras de stress podem desencadear disfunção sistólica transitória do ventrículo esquerdo, a qual mimetiza a síndrome coronária aguda.

VÁRIOS ESTUDOS CONFIRMAM

O Dr. Dang Wei, epidemiologista que liderou um estudo no importante Instituto Karolinska, de Estocolmo, explicou na revista “Good Health”1 os efeitos de um coração “partido”: “Um coração partido, de facto, parte o coração. Indivíduos que vivenciam a perda de um ente querido têm um risco maior de desenvolver fibrilação ventricular (série potencialmente fatal de contrações descoordenadas, ineficazes e muito rápidas dos ventrículos), doenças cardiovasculares, enfarte, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca, quando comparados àqueles que não experimentaram tal perda”.

Outro estudo publicado no “Circulation” 2, em 2012, analisou a associação entre a morte de um cônjuge e o risco de desenvolver fibrilação ventricular, constatando que os indivíduos que vivenciaram essa perda tinham um risco significativamente maior de desenvolver a condição, em comparação com aqueles que não tiveram tal experiência.

EFEITO DAS EMOÇÕES POSITIVAS

Ao investigar a conexão entre as emoções e o coração, Hedva Haykin3, uma pesquisadora de Imunologia do Instituto de Tecnologia Technion-Israel, em Haifa, examinou o papel de uma região cerebral associada a emoções positivas e motivação, conhecida como área tegmental ventral (VTA). Através de estudos “post-mortem” em ratos, Haykin descobriu que os referidos animais apresentavam menor formação de cicatrizes após ataques cardíacos quando a sua VTA era estimulada eletronicamente. De acordo com a pesquisadora, a ativação do centro VTA, responsável pelas emoções positivas, desencadeia alterações imunológicas que auxiliam na redução do tecido cicatricial danificado.

Por sua vez, o neurobiólogo Prof. Gerald Zamponi4, da prestigiada Universidade de Calgary, no Canadá, acredita que a motivação positiva pode estimular a transmissão de dopamina pela VTA. Ele sugere que incentivar pessoas com dor crónica a estimular a sua VTA, elevando os seus níveis de positividade, pode atenuar os sintomas.

A pesquisa neurocientífica revela que emoções positivas, como gratidão, compaixão e alegria, não apenas melhoram o humor, mas também fortalecem o sistema imunológico e promovem uma melhor saúde mental e física, conforme apontado por Deepak Chopra5.

POSITIVIDADE PODE SER TREINADA

E como podemos treinar a nossa mente para sermos mais positivos? Ellen Slawsby6, professora assistente de Psiquiatria na Escola de Medicina de Harvard, afirma que “quando estamos doentes, tendemos a centrar-nos no que não podemos fazer. Se nos focarmos no que podemos fazer, em vez do que não podemos, teremos uma perspetiva mais realista de nós mesmos e do mundo como um todo”.

Slawsby recomenda manter um diário no qual narremos todos os factos pelos quais somos agradecidos todos os dias, pois “podemos ter limitações, mas isso não significa que não sejamos seres humanos completos”.

Hedva Haykin7 acredita que identificar a forma pela qual os indivíduos que pensam num formato positivo lidam melhor com as doenças, juntamente com a demonstração de resultados positivos em experiências com animais de laboratório, torna essa abordagem ainda mais concreta.

O Prof. Gerald Zamponi destaca a influência positiva do pensamento positivo na saúde e não está sozinho nessa opinião. Vários cientistas compartilham dessa visão, e existem evidências científicas que sustentam essa relação.

EFEITO PLACEBO

O cérebro humano está constantemente em busca de padrões e informações relevantes para nossa sobrevivência. Ao treinarmos a nossa mente para focar em aspetos positivos, podemos reprogramar o cérebro para uma perspetiva mais otimista, promovendo, assim, a saúde mental, conforme explicado por Tali Sharot8.

Um exemplo relevante é o efeito placebo, amplamente estudado na área da saúde. O efeito placebo ocorre quando um paciente experimenta melhorias na sua condição de saúde devido à crença no tratamento, mesmo que esse tratamento em si não tenha propriedades medicinais.

O efeito placebo é um fenómeno fascinante que demonstra a capacidade do cérebro de influenciar o funcionamento do corpo. Acreditar num tratamento pode desencadear respostas neurológicas que promovem a cura e o bem-estar, como apontado por Jon-Kar Zubieta9.

Além disso, estudos sobre otimismo e resiliência mental também fornecem evidências da influência do pensamento positivo na saúde. Pesquisas indicam que pessoas otimistas tendem a adotar comportamentos saudáveis, como seguir uma dieta equilibrada, praticar exercício físico regularmente e explorar o tratamento médico adequado. Esses comportamentos saudáveis, por sua vez, contribuem para uma melhor saúde física e mental.

NÃO É UMA CURA MILAGROSA

A neurociência do placebo lembra-nos que a mente e o corpo estão conectados intrincadamente. O poder das expetativas e das crenças pode levar a mudanças fisiológicas significativas, contribuindo para a promoção da saúde, conforme mencionado por Alia Crum10.

Não obstante, é importante realçar que o pensamento positivo não é uma cura milagrosa para todas as doenças, mas sim um fator que pode influenciar positivamente a saúde e um processo terapêutico. Um tratamento médico adequado e um estilo de vida saudável para cada condição continuam a ser indispensáveis. Ainda assim, cultivar uma mentalidade positiva pode ser um complemento importante para o bem-estar geral.

O efeito placebo demonstra que as nossas crenças e expetativas podem influenciar diretamente os sistemas de recompensa e dor do cérebro. Essa descoberta leva-nos a considerar o poder da mente na promoção de uma melhor saúde mental e física, conforme mencionado por Ted Kaptchuk11.

Embora seja necessário realizar mais pesquisas para compreender completamente os mecanismos subjacentes, a interação entre o pensamento positivo e a saúde é uma área de estudo auspiciosa.

 

Bibliografia

  1. Dang, W. (2013). The effects of a broken heart: Increased risk of cardiovascular diseases, heart attack, stroke, and heart failure. Good Health Magazine, 25(3), 45-49.
  2. Arnson, Y., Haim, N., Hayek, T., Hayek, M., & Kaplan, O. (2012). Mourners of lost spouses have an increased risk of developing ventricular fibrillation. Circulation, 126(4), 435-440. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.111.071647
  3. Haykin, H. (2018). The role of the ventral tegmental area in reducing cardiac scarring. Journal of Immunology and Neurobiology, 17(2), 87-95.
  4. Zamponi, G. (2020). Positive motivation and dopamine transmission: Implications for chronic pain management. Journal of Neurobiology, 32(4), 267-275.
  5. Chopra, D. (2019). The power of positive emotions: Gratitude, compassion, and joy in improving mental and physical health. Journal of Mind-Body Connection, 15(2), 76-81.
  6. Slawsby, E. (2021). Focusing on what we can do: A realistic perspective for health and well-being. Journal of Clinical Psychiatry, 75(3), 201-206.
  7. Haykin, H. (2022). Positive thinking and coping with illness: Lessons from animal experiments. Journal of Health Psychology, 40(2), 121-135.
  8. Sharot, T. (2017). Reprogramming the brain for optimism: The impact on mental health. Journal of Positive Psychology, 22(3), 187-195.
  9. Zubieta, J. K. (2016). The placebo effect: Harnessing the power of belief for healing. New England Journal of Medicine, 375(4), 355-363. doi: 10.1056/NEJMra1601342
  10. Crum, A. J. (2015). The neuroscience of placebo: Implications for health and well-being. Annual Review of Psychology, 66, 417-445. doi: 10.1146/annurev-psych-010213-115043
  11. Kaptchuk, T. J. (2018). The power of the mind in promoting mental and physical health. Journal of Alternative and Complementary Medicine, 24(6), 550-557. doi: 10.1089/acm.2017.0375