Psiconeuroimunologia é o campo científico que investiga as ligações entre o cérebro, o comportamento e o sistema imunológico, bem como as implicações que estas ligações têm para a saúde física dos seres humanos.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Fernanda Ferreira. Enfermeira com mestrado em Psiconeuroimunologia e formação em Nutrição Ortomolecular. Autora do projeto Holovirya.

 

Desde que Solomon publicou, em 1964, o artigo intitulado “Emotions, Immunity and Disease: A Speculative Theoretical Integration” surgiu o termo de psicoimunologia. Mais tarde, Solomon publicou (1969) novo trabalho a propósito dos efeitos supressores da imunidade relacionados com o stress e surgiu, também, outro trabalho significativo sobre a possibilidade de condicionamento das respostas imunológicas, na sequência das investigações clássicas de Ader e Cohen (1975).

Na década de 70, surgiram diversos trabalhos nesta área, particularmente focalizados na possibilidade de acontecimentos indutores de stress poderem ter repercussões sobre o funcionamento imunológico e centrando-se, por exemplo, no luto por viuvez, nas missões espaciais de astronautas e na incorporação militar, entre outros.

CONCEÇÃO INTEGRADA

Estas investigações acompanharam os progressos nos conhecimentos imunológicos (descoberta dos anticorpos monoclonais, por exemplo) e o seu desenvolvimento permitiu afirmar com segurança que fatores psicológicos podem modular as respostas imunológicas e, ao mesmo tempo, permitiram questionar quais as consequências disso para a saúde e para a doença.

Especialmente a partir dos anos 80, a conceção do sistema imunológico como sistema autónomo de funcionamento exclusivamente químico deu lugar a uma conceção integrada, em que se reconhece que o sistema imunológico está envolvido com outros sistemas, sendo sensível à regulação do sistema nervoso (Ader, 1983; Rabin, Cohen, Ganguli, Lysle & Cunnick, 1989; Cohen & Herbert, 1996).

Deste modo, reconheceu-se o papel que as diferentes áreas do funcionamento humano, nomeadamente cognitivo e emocional, podem ter sobre a sua eficiência.

STRESSORES PSICOSSOCIAIS

Nasceu, assim, a disciplina designada por Psiconeuroimunologia, que é o campo científico que investiga as ligações entre o cérebro, o comportamento e o sistema imunológico, bem como as implicações que estas ligações têm para a saúde física e a doença (Kemeny & Gruenewald, 1999).

A hipótese-base deste modelo é que os stressores psicossociais diminuem a eficiência do sistema imunológico, o que leva ao aumento de sintomas médicos (risco de doença).

Por outras palavras: a capacidade do sistema imunológico para proteger o organismo num determinado momento estará relacionada com os fatores psicossociais que afetam esse sistema imunológico. Entre estes fatores, contam-se os estados emocionais, o tipo e a intensidade de stress que a pessoa está a enfrentar, as características de personalidade e a qualidade das relações sociais.

AVALIAÇÃO E ESTRATÉGIAS

Um segundo momento na concetualização começou a ter em conta as características psicológicas e as estratégias de confronto utilizadas pelos sujeitos para lidar com essas situações. Este desenvolvimento assume que o impacto de uma situação no sujeito depende da avaliação que o sujeito faz dela, bem como das estratégias que mobiliza de modo a fazer-lhe face.

Enquanto alguns investigadores procuraram averiguar o impacto de acontecimentos de vida na saúde e/ou no sistema imunológico, outros tentaram diferenciar o efeito dos acontecimentos de vida em função das emoções envolvidas, do estilo cognitivo ou das características de personalidade da pessoa.

Uma terceira abordagem sugere que o processamento dos acontecimentos de vida, especialmente das situações traumáticas, os significados que os sujeitos constroem ou as estratégias de “coping” que vão sendo utilizadas, passam por uma série de fases sobre as quais poderá haver uma intervenção, de modo a diminuir os efeitos nefastos sobre o sistema imunológico.

Assim, a pesquisa da Psiconeuroimunologia procura os mecanismos exatos pelos quais efeitos neuro-imunes específicos são alcançados. Evidências de interações nervosas-imunológicas existem em múltiplos níveis biológicos. O sistema imunológico e o cérebro comunicam-se através de vias de sinalização.

SISTEMAS ADAPTATIVOS

O cérebro e o sistema imunológico são os dois principais sistemas adaptativos do corpo. Duas importantes vias estão envolvidas nesse “cross-talk”: o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (eixo HPA) e o sistema nervoso simpático (SNS), através do eixo simpático-adrenal-medular (eixo SAM). A ativação do SNS durante uma resposta imune pode ser destinada a localizar a resposta inflamatória.

O principal sistema de gestão do stress no organismo é o eixo HPA. Este responde ao desafio físico e mental para manter a homeostase, em parte, controlando o nível de cortisol do corpo.

Durante uma resposta imune, citocinas pró-inflamatórias são libertadas no sistema de circulação periférica e podem atravessar a barreira hematoencefálica e interagir com o cérebro para ativar o eixo HPA, provocando o aumento de glucocorticoides (incluindo cortisol) e, desta forma, aumentar “o stress” no organismo.

Essas anormalidades e a falha dos sistemas adaptativos em resolver a inflamação afetam o bem-estar do indivíduo, incluindo o seu comportamento, qualidade de vida e sono, bem como índices de saúde metabólica e cardiovascular, evoluindo para uma hiperatividade dos fatores pró-inflamatórios locais que podem contribuir para a patogénese da doença. Esta ativação sistémica ou neuro-inflamatória e neuro-imune desempenha um papel na etiologia de uma variedade de distúrbios neurodegenerativos, tais como Parkinson e Alzheimer, esclerose múltipla e dor.

Leia o artigo completo na edição de dezembro 2022 (nº 333)