Nos últimos anos, o número crescente de novos casos e da mortalidade associada ao cancro têm motivado o aumento do investimento e da inovação na área da Oncologia. Surgiram, então, novos paradigmas no diagnóstico e tratamento do cancro, que nos permitem renovar a esperança na luta contra esta doença.

Artigo da responsabilidade da Profª Dra. Isabel Fernandes. Coordenadora de Oncologia nos hospitais CUF Descobertas, CUF Torres Vedras e CUF Santarém

 

 

Em 2020, 2,7 milhões de pessoas, na União Europeia, foram diagnosticadas com cancro. Entre estes, perto de 53 mil casos foram diagnosticados em Portugal, de acordo com o Registo Oncológico Nacional. Estima-se que o número de vidas perdidas, devido ao cancro, deverá aumentar mais de 24%, até 2035, tornando-o a principal causa de morte na União Europeia.

O impacto das doenças oncológicas abrange não apenas os doentes e as suas famílias, mas também a sociedade, a economia e os sistemas de saúde. Como tal, há uma preocupação crescente e a área do cancro tem sido alvo de um aumento do investimento.

TÉCNICAS CIRÚRGICAS E DE IMAGEM AVANÇADAS

Nos últimos anos, têm ocorrido mudanças de paradigma na abordagem das doenças oncológicas, com avanços ao nível do diagnóstico, do tratamento cirúrgico e das terapêuticas sistémicas, que vieram reforçar a importância da multidisciplinaridade nesta área.

As técnicas de imagem, como a ressonância magnética, a tomografia por emissão de positrons (PET-CT) e a mamografia digital, têm evoluído rapidamente, permitindo uma deteção mais precoce, precisa e detalhada de tumores.

Nas especialidades cirúrgicas, a cirurgia minimamente invasiva, como a laparoscopia e a robótica, têm-se tornado cada vez mais comuns no tratamento do cancro. Estas técnicas oferecem benefícios, como um menor tempo de recuperação, menos dor no pós-operatório e menor tempo de internamento hospitalar, em comparação com a cirurgia aberta tradicional.

A par dos avanços das técnicas cirúrgicas, a utilização de técnicas de imagem avançadas, como ressonância magnética, tomografia computadorizada e ultrassonografia intraoperatória, permite aos cirurgiões uma melhor visualização e precisão, durante os procedimentos cirúrgicos, facilitando a remoção completa do tumor, sem comprometer os tecidos saudáveis e os órgãos vitais. Isto é particularmente relevante em cancros como o da mama, para o qual o tratamento com técnicas cirúrgicas conservadoras e a reconstrução mamária se têm tornado padrão.

BIOLOGIA MOLECULAR E TERAPÊUTICA SISTÉMICA

Por outro lado, com o avanço das técnicas de biologia molecular e da genómica, os cirurgiões estão cada vez mais aptos a personalizar os tratamentos cirúrgicos do cancro, com base nas características genéticas e moleculares específicas do tumor de cada doente, o que permite uma abordagem mais precisa e eficaz no tratamento.

Relativamente à terapêutica sistémica, surgiu um novo paradigma de tratamento do cancro, cujo objetivo é o controlo prolongado de tumores incuráveis, com toxicidade aceitável e pouca interferência na qualidade de vida dos doentes. A descoberta de vias moleculares específicas envolvidas no crescimento e sobrevivência das células cancerígenas, de alterações genómicas específicas e de biomarcadores permitiram o desenvolvimento de terapêuticas-alvo mais eficazes e com menos efeitos secundários do que a quimioterapia tradicional.

No que toca à identificação de biomarcadores, como a expressão de proteínas específicas ou características epigenéticas do tumor, estes podem fornecer informações adicionais sobre o comportamento biológico do tumor, permitindo personalizar o tratamento.

À análise das alterações genéticas específicas que ocorrem nas células cancerígenas de um doente chamamos “perfil genómico”. Estas alterações podem incluir mutações, amplificações e deleções (eliminação de um fragmento) em certos genes, rearranjos cromossómicos e outras anomalias genéticas. O perfil genómico do cancro é uma ferramenta importante para compreender a biologia do tumor, permitindo prever o curso da doença, o risco de recorrência e a resposta ao tratamento, ao longo do tempo.

AVANÇOS DA IMUNOTERAPIA

Mas uma das maiores inovações, na área da Oncologia, foi a descoberta da imunoterapia, para tratar o cancro. Atualmente, este tipo de tratamento já é feito de forma regular e tem mostrado eficácia em diversos tipos de neoplasias, nomeadamente no melanoma, no cancro do pulmão, no cancro do rim, no cancro da bexiga e no linfoma.

A abordagem mais comum da imunoterapia envolve o uso de inibidores de “checkpoints” imunológicos, responsáveis por regular a nossa resposta imunológica. Estes medicamentos bloqueiam as proteínas que impedem a atividade das células T do sistema imunológico, ajudando-as a reconhecer e atacar as células cancerígenas.

Outras formas de imunoterapia são a terapia celular, que envolve a modificação das células imunológicas do doente, em laboratório, para que consigam reconhecer e atacar as células cancerígenas de forma mais eficaz, e as vacinas. Estas últimas podem conter antigénios específicos do tumor, que estimulam o sistema imunológico e ajudam o corpo do doente a reconhecer e a combater o cancro.

Uma das características mais promissoras da imunoterapia é a capacidade de induzir respostas duradouras em alguns doentes, mesmo após a interrupção do tratamento. Em alguns casos, as respostas podem durar anos, o que é incomum nas outras soluções terapêuticas. No entanto, estes tratamentos têm efeitos secundários autoimunes que podem variar de leves a graves, pelo que é importante uma monitorização cuidadosa da saúde do doente.

Leia o artigo completo na edição de maio 2024 (nº 349)