O exercício físico, não sendo a panaceia para todos os males que acometem a pessoa que vive com e para além do cancro da mama, é um importante aliado, que acrescenta qualidade à vida após o cancro.

Artigo da responsabilidade da Dra. Ana Joaquim. Médica oncologista. Coordenadora do programa ONCOMOVE® da Associação de Investigação de Cuidados de Suporte em Oncologia (AICSO)

 

O cancro da mama é o cancro mais diagnosticado nas mulheres, sendo que raramente também acontece nos homens (1 em cada 100 casos, mais precisamente). Em Portugal, por ano, 7.000 pessoas recebem o diagnóstico de cancro da mama e cerca de 30.000 pessoas foram diagnosticadas há 5 anos ou menos. Estes números mostram que o cancro da mama é, não só uma doença muito frequente – ou não afetasse 1 em cada 8 mulheres ao longo da vida –, mas também, felizmente, uma doença com elevada taxa de cura ou, quando não é possível a cura, de controlo – assim se explica o elevado número de pessoas que vivem com e para além da doença.

Contudo, sobreviver ao diagnóstico e tratamentos de cancro da mama não é obrigatoriamente sinónimo de viver com qualidade. São várias, e de variados tipos, as sequelas que a doença e o tratamento podem deixar. E para muitas, o exercício físico pode ser um importante aliado.

DECLÍNIO DA APTIDÃO FÍSICA

Comecemos pela aptidão física, que é a capacidade física de cada um. Inclui a capacidade cardíaca e respiratória, força muscular e composição corporal em termos de músculo, gordura e osso.

Está demonstrado que a aptidão física de uma pessoa que passa pelo diagnóstico e tratamento de cancro da mama envelhece, nos primeiros 6 meses de tratamento, o correspondente a 10 anos de vida.

Considerando que não tratar o cancro da mama não é opção, a melhor forma de combater este envelhecimento rápido e precoce é utilizar racionalmente o tempo antes e durante os tratamentos para melhorar a aptidão física de base.

Desta forma, já foi demonstrado que, apesar de ser inevitável o declínio da aptidão física, o valor mais baixo ao fim de 6 meses é bem mais alto caso a pessoa se prepare. Na verdade, deveríamos encarar os tratamentos do cancro da mama como uma maratona. E não há maratonista que não se prepare para a maratona que se avizinha. De que tipo de preparação estamos a falar? Exercício físico, cuidados nutricionais e motivacionais.

FADIGA PERSISTENTE

Outra importante sequela do tratamento é a fadiga. Este não é o cansaço normal que acomete qualquer pessoa que se esforce mais do que o habitual, não! Define-se como uma sensação de falta de energia, como se a bateria da pessoa estivesse nos últimos 10% de carga (se estivéssemos a falar de um telemóvel, seria no ponto em que o sinal da bateria começa a piscar). O grau da fadiga pode ser variado, mas habitualmente não alivia com o repouso, ou seja, depois de uma noite bem dormida, o sinal da bateria continua a piscar.

Se é verdade que 90% das pessoas que têm um diagnóstico de cancro da mama sofrem deste tipo de fadiga nalguma altura do processo, cerca de metade recupera após completar os tratamentos. Isto significa que a outra metade permanece com esta queixa anos após ser informada de que a doença passou e que pode voltar a fazer uma vida normal.

Mas como é possível fazer uma vida normal quando o sinal da bateria está permanentemente a piscar?! Na impossibilidade de substituir a bateria, novamente o exercício físico demonstrou ser a melhor medida terapêutica para a fadiga.

ANSIEDADE E DEPRESSÃO

Ansiedade e/ou depressão são estados emocionais que, comprovadamente, ocorrem com mais frequência nas pessoas que passaram por um diagnóstico de cancro da mama e que estão associados a outras complicações, como insónia e dificuldades de concentração e memória.

À semelhança do ovo e da galinha, muitas vezes não é fácil perceber o que é que veio primeiro. O que se sabe também é que estas complicações estão associadas ao declínio da qualidade de vida que se observa numa grande percentagem de sobreviventes de cancro da mama.

Ora, novamente, o exercício físico, na dose certa e supervisionado por quem sabe, demonstrou ser eficaz. No ensaio clínico MAMA_MOVE Gaia After Treatment, integrado no programa ONCOMOVE®, que decorreu no norte de Portugal, numa parceria entre a AICSO, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho e a cadeia de ginásios Solinca, envolvendo um grupo de cerca de 40 mulheres sobreviventes de cancro da mama, demonstrámos o declínio da qualidade de vida nas semanas que antecederam o programa de exercício físico e, depois, a respetiva estabilização no decorrer desse programa.

EXERCÍCIO FÍSICO NÃO É PANACEIA DE TODOS OS MALES

Mas será o exercício físico a panaceia de todos os males? E o que é isto do exercício físico como um medicamento? A resposta à primeira pergunta é um redondo NÃO! É eficaz nalgumas condições clínicas, como as complicações enumeradas acima. O que nos leva à segunda questão. Para ser eficaz e seguro, tem de ser administrado na dose certa, que é a dose demonstrada nos vários ensaios clínicos, por profissionais qualificados e em articulação com os cuidados de saúde.

Para as complicações atrás referidas, estamos a falar do mais alto nível de evidência científica, semelhante ao que levou à aprovação de muitos dos medicamentos hoje a uso, desde o banal paracetamol para a febre ou dor até às imunoterapias indicadas nalguns tipos de cancro, como o melanoma e o cancro do pulmão, entre outros.

Leia o artigo completo na edição de outubro 2023 (nº 342)