A nossa compreensão das inter-relações entre a microbiota intestinal e a obesidade permanece apenas descritiva e existem ainda inúmeras lacunas a preencher.

Artigo da responsabilidade do Dr. Armando Peixoto. Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

A obesidade representa um desafio único em todo o mundo e é, provavelmente, uma das maiores ameaças à saúde pública neste século. O aumento mundial na prevalência está associado ao impacto global concomitante de fatores de risco cardiometabólicos, incluindo resistência à insulina, diabetes tipo 2 e dislipidemia, mas também várias formas de cancro.

Numerosas tentativas têm sido feitas com vista a compreender as razões deste problema global e encontrar soluções. Embora a causa central da obesidade e do excesso de peso se reduza a um desequilíbrio entre a energia consumida e a energia gasta, os fatores externos que regulam essa equação termodinâmica simples são incrivelmente difíceis de avaliar.

Papel da microbiota intestinal

A microbiota intestinal é a comunidade de microrganismos que reside no nosso intestino. Para além das diferentes espécies que habitam o trato gastrointestinal, os metabolitos que elas produzem são também agentes-chave.

Graças ao desenvolvimento da sequenciação de alto rendimento e de inúmeras ferramentas de bioinformática, a literatura sobre a microbiota intestinal floresce diariamente, levando a um número crescente de teorias de causalidade relacionadas com a microbiota na génese e desenvolvimento de várias doenças, quando na realidade apenas algumas delas foram validadas.

Entre as diferentes propostas, o papel da microbiota intestinal na fisiopatologia da obesidade ainda é uma questão em debate. Estudos pioneiros em ratinhos propuseram que a microbiota intestinal é um fator-chave envolvido no armazenamento de energia e ganho de massa gorda. Esses estudos foram apoiados pela descoberta de que a microbiota intestinal de indivíduos obesos tinha diversidade bacteriana reduzida e/ou representação alterada de genes bacterianos quando comparada com a de indivíduos com peso normal, nomeadamente uma mudança na proporção de dois filos principais, Bacteroidetes e Firmicutes.

Adicionalmente, foi descoberto que a transferência da microbiota intestinal de indivíduos obesos para ratinhos livres de germes replicou parcialmente o aumento do peso corporal e o ganho de massa gorda, sugerindo assim uma causalidade entre microbiota e obesidade.

Posteriormente a esses trabalhos, vários estudos analisaram a composição da microbiota entre indivíduos saudáveis, com excesso de peso e obesos. Embora a maioria deles tenha replicado a aparente mudança entre Bacteroidetes e Firmicutes, a implicação real desses dois filos principais no desenvolvimento da obesidade tem sido questionada repetidamente. Não apenas porque essa perspetiva é muito simplista, mas também porque juntos esses filos englobam 85-90% da comunidade microbiana geral e nem todas as bactérias que pertencem a esses filos são encontradas em todos os indivíduos.

Questão complexa

Curiosamente, os dados recolhidos também apontam que vários outros filos ou mesmo bactérias específicas são influenciados pela obesidade ou magreza. Outra prova da implicação da microbiota foi fornecida por estudos de intervenção para perda de peso, que sistematicamente encontraram associações entre redução de peso e melhorias nas funções metabólicas com mudanças na composição da microbiota.

Mais recentemente, a suplementação com Hafnia alvei, uma enterobacteria produtora de CipB, demonstrou diminuir o apetite e aumentar a saciedade, com resultados positivos na perda de peso quando associada a uma dieta hipocalórica.

Existem, no entanto, vários obstáculos que impedem uma simples transição de associações estatísticas para relações causais com estados de saúde ou doença. Por exemplo, embora a composição da microbiota seja agora avaliada rotineiramente, tal é apenas parte de uma história complexa, já que as bactérias produzem numerosos metabolitos capazes de influenciar outros microrganismos ou agir como um sinal para o hospedeiro, agindo diretamente nas células epiteliais intestinais ou entrando na corrente sanguínea e agindo à distância em diferentes órgãos, incluindo o fígado, o tecido adiposo e até mesmo o cérebro.

Leia o artigo completo na edição de março 2023 (nº 336)