A epilepsia é uma doença neurológica que se manifesta pela ocorrência de crises epiléticas. Afeta até 4% das crianças em países desenvolvidos. As crises epiléticas são um dos sintomas neurológicos mais frequentes em idade pediátrica. Podem manifestar-se por alteração da consciência, sintomas motores, sensitivos, autonómicos ou psíquicos, refletindo diferentes redes neuronais ativadas por descargas síncronas e excessivas.

Artigo da responsabilidade da Dra. Cristina Pereira. Neuropediatra e neurofisiologista – Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e Centro de Referência de Epilepsia Refratária do CHUC. Membro da Direção da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia. Membro da rede europeia EpiCare

 

 

Diagnóstico diferencial

Em idade pediátrica existem fenómenos que se assemelham a crises epiléticas, mas que na realidade não o são, como os espasmos do choro, distúrbios do sono, movimentos involuntários, alterações do comportamento, fenómenos psicogénicos e desmaios. Cabe aos clínicos, com a ajuda da descrição do episódio por parte de quem o presenciou ou pela observação de vídeo caseiro, fazer o melhor diagnóstico.

Diagnóstico de epilepsia

O eletroencefalograma é considerado o exame complementar de diagnóstico mais importante para o diagnóstico de epilepsia. Ajuda a distinguir entre crises epiléticas ou fenómenos não epiléticos, define o tipo de crise, o tipo de epilepsia e o síndrome epilético.

Causas da epilepsia

Não é suficiente fazer o diagnóstico de epilepsia numa criança com crises epiléticas. Desde a primeira crise, o clínico deve-se preocupar em determinar a causa da epilepsia. Em 2017, a Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) definiu seis grupos etiológicos: epilepsia estrutural, genética, infeciosa, metabólica, imune ou desconhecida. Para o estudo etiológico, uma criança com epilepsia recém-diagnosticada poderá realizar ressonância magnética crânio-encefálica, estudos genéticos, metabólicos, entre outros.

Como atuar perante uma crise epilética?

De forma prática, as crises epiléticas podem manifestar-se através de movimentos mais ou menos rítmicos das extremidades ou com alteração da consciência – crises convulsivas; ou como alteração das sensibilidades, dos sentidos, do pensamento – crises não convulsivas.

Durante uma crise epilética convulsiva deve colocar-se a criança em decúbito lateral de segurança e prevenir eventuais traumatismos, colocando por exemplo uma peça de roupa por baixo da cabeça e não restringir os movimentos. Não se deve colocar nada na boca da criança que está em convulsão. Ao fazê-lo corre-se o risco que um fragmento desse objeto se parta e vá inadvertidamente obstruir as vias aéreas, levando à sufocação ou a lesões da mucosa oral ou à fratura de dentes. Ao colocar a pessoa de lado, a língua pela ação da gravidade, cai para a frente e não para trás. Se a crise durar mais de 3 minutos deverá aplicar-se diazepam retal nas crianças pequenas ou midazolam intrabucal nas crianças maiores e adolescentes. Este último, em Portugal ainda aguarda comparticipação pelo Infarmed, o que acarreta um elevado custo para as famílias.

Durante uma crise epilética não convulsiva (por exemplo as ausências), com interrupção da consciência ou confusão deve-se evitar que a criança se magoe. Para tal deve-se falar de forma clara e tranquilizadora, orientá-la gentilmente para evitar a deslocação para sítios perigosos e esperar que fique novamente bem orientada.

Patologias associadas

O desafio do diagnóstico e tratamento da epilepsia em idade pediátrica, que se desenvolve durante o período fundamental do desenvolvimento cerebral é não só tratar as crises, mas minimizar as comorbilidades. Crianças com epilepsia apresentam mais frequentemente dificuldades de aprendizagem, alterações do comportamento, perturbação de hiperatividade e défice de atenção, autismo e patologia psiquiátrica.

Consulta Multidisciplinar de Epilepsia Pediátrica

A consulta de epilepsia pediátrica vai além da observação e orientação terapêutica do médico Neuropediatra. Para além do médico, a equipa deverá incluir enfermeiro, técnico de serviço social, psicólogo, terapeuta da fala, terapeuta ocupacional e professor do ensino especial, para que seja realizada uma avaliação do desenvolvimento cognitivo, motor, do comportamento, assim como a identificação de dificuldades escolares. O objetivo da consulta é possibilitar adequado tratamento da epilepsia e comorbilidades, oferecer atempado apoio técnico-pedagógico e melhorar a integração da criança na escola e na comunidade.