Os doentes com doenças cardiovasculares constituem um grupo com maior risco de contrair infeção e têm também um acréscimo significativo de complicações. Daí a importância da adoção de medidas preventivas adicionais, que devem ser seguidas com especial atenção e rigor.
Artigo da responsabilidade da Profª. Ana Teresa Timóteo, secretária-geral da Sociedade Portuguesa Cardiologia; cardiologista, Hospital Santa Marta, Centro Hospitalar Lisboa Central; professora auxiliar, Faculdade Ciências Médicas de Lisboa
Nos últimos 100 anos, temos assistido a episódios repetidos de pandemias, algumas com elevadíssima mortalidade. Durante a 1ª Guerra Mundial, a Gripe Espanhola dizimou milhões de pessoas em todo o mundo e, mais recentemente, tivemos em 2002 uma pandemia pelo coronavírus SARS-CoV1 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus), em 2009 a Gripe A, causada pelo vírus Influenza H1N1 e, em 2012, outro coronarivus, chamado MERS – CoV (Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus). Em finais de 2019, apareceram os primeiros casos de uma nova doença por coronavírus ou Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), causada pelo SARS-CoV2. Os primeiros casos foram descritos em Wuhan, na província de Huban, na China, mas rapidamente de propagou a toda a China e Ásia. A fácil circulação das pessoas facilitou a sua disseminação a outros países mais distantes, incluindo a Europa, que a partir de finais de janeiro começou a reportar os primeiros casos. Este rápido alastramento internacional levou à declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde, em 11 de março de 2020.
GRUPOS COM MAIOR RISCO
O vírus transmite-se de pessoa a pessoa por contacto próximo, sobretudo através de gotículas respiratórias, com um período de incubação de cerca de 14 dias e tem maior contagiosidade que com os vírus anteriores. Diversas publicações científicas têm surgido sobre esta infeção, a maioria com origem na China, onde referem que 81% dos casos têm forma de apresentação ligeira, 14% grave e 5% critica ou muito grave.
Podem ser atingidas pela infeção pessoas de todas as idades e o risco de desenvolverem doença grave aumenta a partir dos 60 anos. A presença de comorbilidades ou doenças crónicas nos doentes infetados é frequente (cerca de 24% dos doentes), sobretudo a hipertensão arterial em 17%, a diabetes em 8% e as doenças cardiovasculares em 5%, bem como doenças respiratórias e cancro, com valores ainda mais elevados nos doentes que são internados (50% dos doentes, com 40% por doença cardio ou cerebrovascular) e, em particular, nos cuidados intensivos, mostrando assim que estas comorbilidades os tornam particularmente mais vulneráveis.
A taxa de mortalidade global pela infeção com COVID-19 situa-se nos 2,3%. Nos indivíduos sem outras doenças, é bastante baixa, de 0,9%, aumentando para 8% no grupo etário entre os 70 e 79 anos e 14,8% acima dos 80 anos.
A presença de outras doenças crónicas, confere também um risco aumentado de morte. Salientam-se as doenças cardiovasculares com uma mortalidade de 10,5%, seguida pela diabetes com 7,3%, doença respiratória crónica com 6,3%, HTA com 6% e cancro com 5,6%. Assim, os doentes com doenças cardiovasculares constituem, tal como os idosos (eles próprios portadores dessas doenças), um grupo com maior risco de contrair infeção e têm também um acréscimo significativo de complicações e de mortalidade.
COMPLICAÇÕES CARDÍACAS
As complicações cardíacas associadas à infeção por COVID-19 são semelhantes às produzidas pelos outros vírus referidos, podendo afetar o sistema cardiovascular, quer pelo desenvolvimento de nova doença ou por descompensação de situações previamente existentes.
Uma das formas mais frequentes de apresentação cardiovascular é a lesão do miocárdio, o músculo do coração, sendo também marcador de evolução clínica desfavorável. Pode ser resultado de agressão direta do vírus sobre o músculo do coração, por inflamação, por causar enfarte do miocárdio ao atingir as artérias coronárias que irrigam o coração ou pelos baixos níveis de oxigénio no sangue nas formas graves de pneumonia.
Os doentes que apresentam maior risco de lesão do miocárdio são os idosos e doentes com doenças cardiovasculares de base e diabetes, e este envolvimento associa-se a uma mortalidade substancialmente superior, em particular com doença cardiovascular de base.
Outras formas de manifestação cardiovascular, em particular nos doentes que necessitam de internamento em cuidados intensivos, são o choque, as arritmias e as alterações de coagulação, esta última com formação de coágulos em várias localizações, como o pulmão e as veias das pernas e resultante de um processo intenso de inflamação generalizada, que conduz também a perturbações da coagulação.
ORIENTAÇÕES SOBRE A MEDICAÇÃO
Os doentes com doenças cardiovasculares devem manter a medicação em curso e seguir os conselhos do seu médico assistente, garantindo que têm medicação em quantidade suficiente.
A segurança de alguns medicamentos para o tratamento da hipertensão arterial e insuficiência cardíaca, nomeadamente os IECA e ARA II, foi questionada em alguns artigos científicos, tendo sido sugerido que os doentes sob tratamento com estes medicamentos poderiam ter uma evolução mais grave da doença a coronavírus. No entanto, estudos com resultados opostos estão também publicados, pelo que, segundo as recomendações atuais, o tratamento com estes medicamentos não deverá ser interrompido.
Outra nota importante sobre medicação diz respeito aos diversos medicamentos que têm sido testados e utilizados para o tratamento desta infeção, alguns com efeitos deletérios diretos sobre o coração e outros que causam interferência com muitos dos medicamentos utilizados no tratamento das doenças do coração, podendo reduzir o seu efeito e colocar o doente em risco. Nestas circunstâncias, o médico que assiste o doente quando diagnosticada a infeção deverá analisar casos a caso a medicação a utilizar.
RECOMENDAÇÕES
É fundamental a sensibilização dos profissionais de saúde e dos doentes com doença cardiovascular crónica, seus familiares e cuidadores, para o potencial de risco acrescido de contrair infeção por COVID-19 e de complicações, para a adoção de medidas preventivas adicionais às estabelecidas pela Direção Geral de Saúde para a população em geral, devendo ser seguidas com especial atenção e rigor. Assim:
- Evitar deslocar-se ao hospital ou centro de saúde, a menos que estritamente necessário, procurando contactar por via telefónica ou informática o seu médico assistente ou outros profissionais de saúde;
- Permaneer no domicílio, deslocando-se ao exterior apenas se estritamente necessário;
- Lavar as mãos com frequência, mesmo que esteja no domicílio, desinfetar regularmente os materiais tocados por outros (maçanetas de portas, corrimão, teclados de computador) e evitar contactos com outras pessoas;
- Verificar a temperatura corporal do próprio e com quem contacte diariamente, ainda que no mesmo domicílio, se houver alguma suspeita de contágio;
- Promover medidas genéricas de estimulação imunológica, nomeadamente alimentar-se bem, dormir adequadamente e reduzir os níveis de stress.
Não esquecer também que, em caso de sintomas sugestivos de enfarte ou AVC, deve contactar imediatamente o 112 que, em caso de confirmação destas situações, irá assegurar o transporte seguro e direto para um serviço de especializado para um rápido tratamento. Existem vias seguras de orientação destes doentes, pelo que o receio de contrair infeção no hospital não deve condicionar o doente no acesso aos cuidados de saúde.
Leia o artigo completo na edição de maio 2020 (nº 305)
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