Existem uma relação muito próxima e perigosa entre a hipertensão arterial e a insuficiência cardíaca. Controlar uma significa prevenir a outra.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Paula Felgueiras, secretária adjunta Norte da Direção da Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH)

 

A hipertensão arterial (HTA) é um dos problemas de saúde pública mais importantes a nível mundial, acarretando enorme impacto, quer a nível económico, quer na qualidade de vida das pessoas, pelas complicações a esta associadas (sejam as doenças cerebrovasculares, como o acidente vascular cerebral, e/ou as cardíacas, como o enfarte agudo do miocárdio e a insuficiência cardíaca).

A prevalência global de HTA em adultos é de aproximadamente 30 a 45%, aumentando tendencialmente com a idade. Estima-se que, em pessoas com idade superior a 60 anos de idade, a prevalência ultrapasse os 60%, isto é, mais de metade desta população será hipertensa.

O QUE É A HTA?

Define-se HTA como sendo uma pressão arterial sistólica no consultório maior a ou igual 140mmHg e/ou diastólica maior ou igual 90mmHg.

Na maioria das vezes, a HTA é silenciosa, representando por si só um fator de risco para muitas outras doenças, como sejam a doença arterial coronária, o acidente vascular cerebral ou a insuficiência cardíaca. Em muitos casos, a HTA está associada a outras patologias, como a diabetes e a dislipidemia, aumentando o risco de desenvolvimento de doença cardíaca, particularmente insuficiência cardíaca.

Sabemos que uma pessoa de 60 anos de idade com doença cardiovascular e diabetes tem, em média, menos 12 anos de esperança média de vida, relativamente a uma pessoa sem tais patologias.

CONTROLO DOS FATORES DE RISCO

Desde modo, torna-se fundamental o controlo dos fatores de risco cardiovasculares, de modo a evitar o aparecimento das lesões dos órgãos alvo (coração, vasos, rim e cérebro). Assim, o controlo da HTA, da diabetes, da dislipidemia, e a cessação tabágica, resulta num cenário em que a mesma esperança média de vida passa a ser equivalente à dos indivíduos sem fatores de risco.

Consequentemente, a visão do médico passou do controlo/tratamento de cada patologia de forma independente, para uma perspetiva global, para cada indivíduo (daí a designação de terapêutica individualizada), mediante a idade da pessoa, o sexo, os hábitos de vida (tabaco, consumo de álcool, sedentarismo), obesidade, dislipidemia, HTA e diabetes, entre outros.

As consultas de Risco Cardiovascular são de elevada importância, na medida em que, para cada paciente, é avaliado o risco específico, bem como traçados objetivos pessoais de controlo de tensão, dos lípidos, da diabetes, do peso e dos hábitos de vida. A terapêutica individualizada é fundamental para controlo dos fatores de risco, evitando assim o desenvolvimento da insuficiência cardíaca, que se torna a fase avançada do “continuum” cardiovascular.

E A INSUFICIÊNCIA CARDÍACA?

Quanto à insuficiência cardíaca, esta define-se como uma síndrome em que a pessoa desenvolve intolerância ao esforço na presença de disfunção cardíaca. As pessoas apresentam mais comummente sintomas como o cansaço/fadiga e a “falta de ar”, seja em esforços moderados e médios ou até mesmo em repouso (dependendo do grau de insuficiência cardíaca). Podem também apresentar edema, vulgarmente identificado como pernas “inchadas”, que se caracteriza pela acumulação de líquido e pelo urinar várias vezes durante o período noturno. Ainda que menos específicos, podem ainda surgir outros sintomas, como sejam a falta de energia crónica, a dificuldade em dormir, a confusão ou perda de memória, a tosse com expetoração espumosa, entre outros.

A insuficiência cardíaca é considerada o último estádio da doença cardíaca, surgindo devido a doenças específicas ou quando os fatores de risco, nos quais se inclui a HTA, não são devidamente controlados.

RELAÇÃO PERIGOSA

Uma hipertensão arterial não controlada conduz, ao longo do tempo, ao aumento do músculo cardíaco no ventrículo esquerdo (do coração), resultando num ventrículo com alterações do enchimento (diastólico) e, posteriormente, num ventrículo dilatado e cuja função cardíaca diminui, levando a que o sangue fique acumulado a montante, a nível pulmonar, e daí o aparecimento da “falta de ar”.

Por outro lado, a própria hipertensão arterial acelera a perda de “compliance”  arterial relacionada com o envelhecimento, aumentando a massa muscular do ventrículo esquerdo. Seguem-se alterações a nível das células do músculo cardíaco, com posterior dilatação das câmaras do coração e, consequentemente, surgem arritmias (fibrilhação auricular, entre outras).

Controlar a pressão arterial ajuda a prevenir a insuficiência cardíaca. Para prevenir o aparecimento da insuficiência cardíaca, os doentes hipertensos devem manter a pressão arterial dentro dos alvos, com recurso quer a terapêutica não farmacológica (através de mudanças de estilo de vida, como por exemplo a dieta hipossalina e a prática de exercício físico), quer a terapêutica farmacológica.

DIETA BAIXA EM SAL

É fulcral, a nível da terapêutica não farmacológica, a manutenção de uma dieta mediterrânica baixa em teor de sal. A população portuguesa consome em média, diariamente, mais do dobro do sal recomendado. A redução do consumo de sal é fundamental para o controlo da pressão arterial e da insuficiência cardíaca.

Quanto à terapêutica farmacológica, nos doentes com HTA e insuficiência cardíaca, e como primeira linha de terapêutica, surgem os antagonistas dos recetores de angiotensina (ARAS) e os inibidores de enzima conversora de angiotensina (IECAS), tendo vários estudos provado a redução da mortalidade com a sua utilização. Estão igualmente provados os benefícios do uso de beta-bloqueantes e de antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides.

EM RELAÇÃO À COVID-19

Um apontamento relativamente à pandemia COVID-19: os doentes com doença cardiovascular parecem ter um aumentado o risco de efeitos adversos quando infetados pelo coronavírus, isto porque, apesar das manifestações clínicas mais frequentes serem os sintomas respiratórios, o vírus pode causar lesões cardiovasculares.

Segundo a posição das Sociedades Internacionais de Cardiologia, não existe evidência clínica ou experimental que mostre outcomes adversos na terapêutica com os ARAS ou os IECAS. Aliás, as várias sociedades científicas emitiram, em 17 de Março de 2020, uma declaração conjunta na qual recomendam a manutenção da terapêutica em curso para a HTA e para a insuficiência cardíaca.