A inclusão social é um direito de todos os cidadãos, incluindo os que possuem algum tipo de deficiência. Neste caso, vamos focar-nos nas pessoas com deficiência auditiva.

Artigo da responsabilidade de António Ricardo Miranda. Presidente de Direção da OUVIR – Associação Portuguesa de Portadores de Próteses e Implantes Auditivos

 

 

 

É justo solicitar um Sistema Nacional de Saúde que pressupõe a equidade de oportunidades para quem necessita recorrer dos seus serviços. Falamos de pessoas com deficiência auditiva, que perderam audição, por uma causa genética, por doença ou devido a circunstâncias acidentais ou de ototoxicidade.

Sabemos que a maioria dos casos em que ocorre a perda auditiva é de origem genética, e que podem ocorrer no início da vida ou manifestar-se mais tarde. Quando é por doença, a intervenção deve ser tão rápida quanto possível. E quando é causada de forma acidental, é possível ser evitada, dado ser, na larga maioria, por exposição a ruído excessivo ou procedimentos auditivos errados. E também não podemos esquecer o efeito que têm os medicamentos ototóxicos nas diferentes patologias da surdez.

Quando a perda auditiva é inevitável e não tem cura ou tratamento possível, como sucede na maioria dos casos, apenas existe a solução da reabilitação auditiva para continuar a ouvir.

Os dados da Organização Mundial de Saúde são evidentes, e podem ser consultados no website da organização. Tem vindo a aumentar o número de casos de surdez no Mundo, e de forma bem consistente, como se pode verificar em,

https://www.hear-it.org/pt/primeiro-relatorio-mundial-da-oms-sobre-audicao

Em Portugal, a comparticipação das ajudas técnicas para a reabilitação auditiva continua a ser um tabu. Por vários motivos, as entidades governamentais não esclarecem como contornar o problema da surdez com a ajuda estatal via SNS e, muitas vezes, é dificultado o acesso de forma que se diria quase intencional, para evitar custos adicionais do Estado com as pessoas que necessitam realmente de apoio.

Todos os dias, ou quase todos os dias, somos abordados na nossa associação, por pessoas que procuram ajuda para saber como vencer a surdez através da reabilitação auditiva, porque querem continuar a viver condignamente e a ouvir.

Todos sabemos da importância que é poder ouvir e compreender o que nos é dito, que tal tem implicações para a vida autónoma, não dependente de outras pessoas.

A essência da nossa associação assenta na reabilitação auditiva (como no caso dos implantes auditivos, quando necessita de cirurgia – solução invasiva, mas muitas vezes tem a solução não cirúrgica, das convencionais próteses auditivas).

Assim, a surdez não deveria ser opção, da mesma forma que a reabilitação auditiva parece-nos ser a maneira mais adequada para que a pessoa com deficiência auditiva possa ter uma vida autónoma e ativa.

Uma boa percentagem de quem não quer ouvir ou reabilitar-se está a levar a vida para um caminho mais difícil a todos os níveis, e não apenas pela dependência de terceiros, mas também  que pode agravar para problemas psicossociais (de isolamento social também), ou até mesmo chegar a situações de risco ou perigo de demência precoce, e que pode levar à depressão inerentes ao maior isolamento social e familiar.

Uma prótese auditiva convencional está estimada na ordem de alguns milhares euros: 2 a 4 mil euros, dependendo da qualidade do aparelho auditivo. Já quando a surdez é severa a profunda, pode ser recomendada a intervenção cirúrgica de implante coclear. Um implante coclear, se considerarmos a parte implantável e a externa com cirurgia, está estimado na ordem dos 30 mil euros. Só o processador de implante coclear (a parte externa, não implantável) está estimado em cerca de 10 mil euros.

Atualmente, a comparticipação no SNS é total para a implantação coclear, que implica a intervenção cirúrgica, ativação e acompanhamento hospitalar ou no Centro de Reabilitação Auditiva de referência ou representante do mesmo.

No que se prende com a manutenção destes dispositivos, existe a possibilidade de upgrade do processador do implante coclear, totalmente comparticipado ao fim de uma dezena de anos. Contudo, sabemos que a garantia das peças destes dispositivos não vão além de quatro anos. O que é despropositado, porque quem usufrui dele necessita de usar mais do dobro do tempo com os gastos da manutenção.

No caso das próteses auditivas convencionais, a garantia também não vai além dos quatro anos.

A substituição destes equipamentos está muito aquém e o Estado, relativamente às próteses auditivas (dispositivos mais utilizados), não dá a resposta adequada aos pedidos de aquisição e/ou substituição, processo tão moroso (por SAPA – Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio) que muitas pessoas acabam por desistir deles.

O Estado continua a ser omisso e insensível aos casos das pessoas com deficiência auditiva, que necessitam de tecnologias de reabilitação para continuarem a ouvir. Da mesma forma que não há incentivos para a utilização e ou instalação de tecnologias suporte/apoio às pessoas com deficiência auditiva, como é o caso de legendagem nos audiovisuais e internet, recurso à instalação de aro de indução magnética, bluetooth ou sistema FM, ou outros dispositivos auxiliares.

A deficiência auditiva é uma das deficiências em que existe mais tecnologia disponível para a correta reabilitação e tecnologias de acessibilidade, sendo ao mesmo tempo a mais esquecida.

Fazemos força todos os dias, na nossa comunidade de pessoas com deficiência auditiva que dependem destas tecnologias, para continuar a ouvir (e a comunicar), para que a nossa mensagem chegue, com as informações e esclarecimentos necessários para que haja a atualização apropriada à nossa causa. E, infelizmente, não somos ouvidos!

Desejamos que este contributo possa chegar a quem de direito no nosso país para tomar as medidas necessárias, como o sejam a desburocratização dos apoios e o progresso nos serviços que assegurem a comparticipação efetiva das ajudas técnicas às pessoas com deficiência auditiva.