O Natal, uma época que seria tendencialmente marcada pela alegria, pela partilha e pelo amor, bastantes vezes torna-se um terreno fértil para sentimentos de tristeza, solidão e ansiedade.

Artigo da responsabilidade do Dr. Alexandre Bogalho. Psicólogo Clínico. Neuropsicólogo de um Centro de Medicina de Reabilitação de Adultos

 

A tristeza que se apodera de nós quando o outono e o inverno se aproximam é como um manto gélido que nos envolve, tornando-nos menos motivados a sair de casa, a realizar as tarefas do dia a dia e a interagir com satisfação. Poderá estar relacionada com depressão sazonal, devido à diminuição da luz solar, que afeta diretamente a produção de serotonina e melatonina no cérebro. Há quem lhe chame os “blues de inverno”.

Pode a depressão sazonal, também vulgarmente referida como depressão de inverno, surgir nestes meses mais frios. Os sintomas são semelhantes aos de outras formas de depressão, afetando o humor, o apetite, o sono e a disposição para atividades sociais.

Vários fatores de risco aumentam a probabilidade de depressão sazonal, incluindo viver em regiões com menos exposição solar e histórico familiar de depressão. Para muitos indivíduos as épocas festivas de inverno serão uma boia de salvamento para a sintomatológica associada a esta problemática, mas nem sempre assim é.

TERRENO FÉRTIL PARA A TRISTEZA E SOLIDÃO

O Natal, uma época que seria tendencialmente marcada pela alegria, pela partilha e pelo amor, ainda assim bastantes vezes torna-se um terreno fértil para sentimentos de tristeza, solidão e ansiedade. O “Christmas Blues”, embora não seja enquadrado clinicamente como um transtorno mental, representa uma realidade desorientadora para milhões de pessoas em todo o mundo. Durante esta época festiva, é como se uma nuvem escura pairasse sobre aqueles que se sentem incapazes de encontrar a felicidade nas festividades religiosas.

O problema fulcral do “Christmas Blues” reside, em grande parte, nas expectativas irrealistas que criamos em relação ao Natal. Somos inundados por imagens de famílias perfeitas, de ceias idílicas e de presentes extravagantes, seja através dos meios de comunicação ou das redes sociais. No entanto, parte da realidade é diferente. Famílias divididas, dificuldades financeiras e a ausência de entes queridos transformam o Natal num período de angústia emocional para tantos.

O consumismo exacerbado, que se tornou sinónimo do Natal moderno, também contribui significativamente para o ” Christmas Blues”. A pressão para comprar presentes caros e organizar festas elaboradas pode esmagar aqueles que estão já a braços com dificuldades financeiras. O desejo de oferecer o presente perfeito muitas vezes transforma-se numa fonte de ansiedade, levando as pessoas a gastar mais do que podem, mergulhando-as num ciclo de stress financeiro.

Além disso, o Natal pode ser um momento particularmente ambíguo e difícil para aqueles que enfrentam a solidão. Enquanto o Mundo Cristão parece estar imerso em celebrações e encontros familiares, para algumas pessoas, o Natal é um lembrete doloroso da sua solidão, uma vez que “os homens compram tudo pronto nas lojas… mas como não há lojas de amigos, os homens não têm amigos” (Antoine de Saint-Exupéry).

A ausência de convites para festas ou a falta de familiares próximos para partilhar este período festivo pode intensificar sentimentos como isolamento e inquietação.

REPENSAR O SIGNIFICADO DO NATAL

Para combater o “Christmas Blues”, é essencial repensar o significado do Natal. Em vez de se concentrar em presentes caros ou em festas extravagantes, o verdadeiro espírito do Natal reside na conexão humana, no apoio mútuo e na compaixão.

Em vez de nos perdermos nas expectativas ilusórias, devemos aceitar as nossas imperfeições e valorizar os júbilos simples da vida. Como Antoine de Saint-Exupéry escreveu, “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.

No Natal, a televisão de todas as casas passam um conjunto de clássicos cinematográficos alusivos ao momento natalício. Num desses filmes, “Um Conto de Natal”, baseado na literatura de Charles Dickens, é narrada a história de Ebenezer Scrooge, um homem avarento e solitário que despreza o espírito natalício. Na véspera de Natal, Scrooge é visitado por três fantasmas: o do Natal Passado, o do Presente e o do Futuro. Esses fantasmas levam-no numa jornada espiritual, onde as ações passadas são vislumbradas, o presente das pessoas ao seu redor e um futuro sombrio, caso não altere a sua conduta. Ao testemunhar o impacto do seu comportamento, Scrooge passa por uma transformação emocional, um “insight”. Ele abraça os princípios filosóficos natalícios, tornando-se generoso e compassivo. A história destaca temas como redenção, compaixão e o verdadeiro significado do Natal, além de oferecer uma crítica social às desigualdades socioeconómicas da época.

EMPATIA E APOIO, SEM JULGAMENTOS

O “Christmas Blues” não se limita apenas ao período festivo em si: estendem-se também ao período pós-Natal. Quando as luzes coloridas são desligadas e a magia do Natal se desvanece, muitas pessoas encontram-se confrontadas com a dura realidade de um novo ano e respetivas resoluções, com transferência de velhos problemas e desafios que enfrentaram precedentemente. Esta transição abrupta pode agravar ainda mais os sentimentos de desânimo e ansiedade, criando uma sensação de vazio e desesperança.

Desta forma, é fundamental criar um espaço seguro para as pessoas expressarem os seus sentimentos, mesmo que contraditórios. O estigma em torno da tristeza no Natal, muitas vezes, impossibilita as pessoas de procurarem ajuda. Familiares e amigos desempenham um papel vital ao mostrar empatia e apoio, sem julgamentos. A capacidade de ouvir atentamente e estar presente para aqueles que estão a lutar pode fazer uma diferença significativa.

Leia o artigo completo na edição de dezembro 2023 (nº 344)