A hipertensão arterial (HTA), muitas vezes chamada de “assassino silencioso”, é uma grande ameaça à saúde pública. De acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde publicado em setembro de 2025, a cada hora, mais de 1000 pessoas morrem de acidente vascular cerebral (AVC) ou ataque cardíaco causado pela HTA.

Em 2024, afetou aproximadamente 1,4 mil milhões de pessoas com idades compreendidas entre os 30 e os 79 anos em todo o mundo, mas apenas 320 milhões de pessoas tiveram a sua tensão arterial controlada.

Artigo da responsabilidade do Dr. Fernando Martos Gonçalves. Presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão

 

A hipertensão não controlada é um dos principais fatores de risco para ataque cardíaco, AVC, doença renal crónica e demência. Esta elevada prevalência global sublinha a necessidade urgente dos países implementarem medidas para a sua prevenção e controlo.

E em Portugal não é diferente. O nosso país apresenta uma das mais elevadas prevalências de hipertensão arterial da Europa Ocidental, com 41% dos adultos afetados. Este cenário é agravado pelo envelhecimento populacional e pela elevada prevalência de fatores de risco cardiovasculares, como excesso de peso, sedentarismo e consumo excessivo de sal.

Não temos conhecimento exato do panorama da hipertensão nosso país, pois os estudos mais representativos têm mais de 10 anos.

Foi com esse propósito que nasceu o Estudo ADAMASTOR, um projeto inovador que pretende ajudar-nos a compreender, de forma global a verdadeira dimensão da hipertensão no nosso país.

Integrado no Programa Link, um programa de investigação alargado dedicado ao estudo de doenças crónicas, o estudo ADAMASTOR é promovido pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão com a AstraZeneca que, numa abordagem contemporânea, promove um consórcio de inovação que alia o conhecimento científico e académico em prol da investigação dedicada às doenças crónicas na comunidade.

O objetivo é claro: caracterizar o perfil da população portuguesa com hipertensão arterial, as suas comorbilidades, mapear as suas trajetórias clínicas e identificar lacunas no seu seguimento e tratamento, e assim poder contribuir para a definição de estratégias e políticas de saúde.

O nome não podia ser mais simbólico. Como o gigante mitológico da obra Os Lusíadas, o ADAMASTOR representa a coragem de enfrentar o desconhecido — neste caso, o desconhecimento sobre como a hipertensão é realmente vivida e tratada em Portugal.

Os números de estudos anteriores mostram uma realidade preocupante: entre 41 e 47% dos adultos portugueses vivem com hipertensão e, entre eles, muitos não estão diagnosticados ou não atingem os níveis de controlo adequados.

Um estudo recente que contou com a participação da SPH concluiu que apenas 52% dos doentes com hipertensão seguidos nos cuidados de saúde primário tinham a pressão arterial controlada. São milhares de pessoas que vivem com um risco silencioso de sofrer complicações cardiovasculares graves, muitas vezes sem o saberem. Estima-se também que 46% das mortes cardiovasculares sejam atribuídas à pressão arterial elevada.

O ADAMASTOR pretende mudar este cenário.

Trata-se de um estudo epidemiológico, observacional e prospetivo de âmbito nacional, que será implementado nos cuidados de saúde primários a partir de 2026. O estudo vai recolher e analisar dados sociodemográficos, socioeconómicos, clínicos e laboratoriais, padrões de tratamento e resposta aos mesmos, patient reported outcomes e frequência de contactos dos doentes com os diferentes níveis do sistema de saúde, criando uma base de conhecimento sólida que permitirá orientar melhores decisões clínicas e desenhar estratégias de seguimento e gestão clínica mais eficazes.

Mas o ADAMASTOR será mais do que um estudo; é um instrumento de transformação. Ao identificar onde estão as lacunas, como, por exemplo, no diagnóstico precoce, no acompanhamento ou na adesão à terapêutica, permitirá definir estratégias concretas para melhorar o controlo da hipertensão e reduzir o peso da doença cardiovascular em Portugal. Atuar na prevenção, e otimizar recursos em saúde, que sabemos são finitos e limitados.

Acredito que este projeto marca um ponto de viragem. Conhece e compreender melhor a realidade dos nossos doentes é o primeiro passo para ajustar a forma como prevenimos, tratamos e acompanhamos a hipertensão. A evidência científica é, e deve continuar a ser, o alicerce para a prática de medicina baseada na evidência, mais próxima, mais eficaz e mais humana.

Num momento em que o país enfrenta múltiplos desafios de saúde pública, compreender a hipertensão é compreender uma parte essencial da saúde dos portugueses, com o último objetivo de reduzir a morbimortalidade cardiocerebrovascular em Portugal. Recordemos que a HTA é o principal fator de risco de doença cardiovascular, causa major de morte e morbilidade em Portugal e que é em grande parte evitável. O ADAMASTOR é o nosso farol nessa travessia. Um projeto que une ciência, instituições e compromisso para transformar o futuro dos cuidados cardiovasculares em Portugal.

Tudo por um Portugal mais saudável e a envelhecer melhor!