No dia 1 de Agosto assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Pulmão, tendo por objetivo não só apoiar os doentes e suas famílias atingidos pela doença, mas também como forma de chamar a atenção da sociedade para uma patologia tão devastadora.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Nelson Serrano Marçal, pneumologista nos hospitais CUF Tejo e CUF Descobertas – CUF Oncologia

 

 

O cancro do pulmão, outrora uma doença rara, constitui, nos dias de hoje, a principal causa de morte por doença oncológica no mundo inteiro. A sua incidência (número de novos casos) tem vindo a aumentar de forma progressiva e prevê-se que a mesma aumente de forma exponencial nos países em vias de desenvolvimento nos próximos anos.

A doença desenvolve-se de forma silenciosa durante décadas sem que haja sintomas e quando estes aparecem os doentes já se encontram, na sua maioria, numa fase avançada de doença (ou seja, doença localizada, mas em estádio avançado ou já com metástases à distância). Esta é a razão pela qual as taxas de cura no cancro do pulmão são muito baixas (estima-se que seja de 17% aos 5 anos).

O cancro do pulmão afeta maioritariamente homens mas essa diferença tem-se vindo a esbater nos últimos anos devido ao aumento progressivo dos hábitos tabágicos nas mulheres. Habitualmente, aparecem nas 6ª e 7ª décadas de vida, mas encontra-se também a aumentar nos adultos jovens.

Tabaco é a principal causa

O tabaco é a principal causa para o desenvolvimento de tumores do pulmão, sendo responsável por mais de 80% dos casos. Dos seus constituintes, mais de 50 são comprovadamente carcinogénicos.

O risco de desenvolvimento de cancro é cumulativo ao longo do tempo e vai depender de muitas variáveis, como seja a idade de início dos hábitos tabágicos (pior em idades mais precoces), o número de cigarros fumados/dia, o número de anos que fumou, o tipo de tabaco fumado (cigarro, charuto, cachimbo ou as novas formas de fumar), da profundidade da inalação, do uso de filtros, entre outros.

Deixar de fumar torna-se, desta forma, a pedra fundamental na prevenção do cancro do pulmão, devendo ser uma prioridade dos governos a implementação de medidas mais restritivas que visam proteger os mais jovens de iniciarem o fumo de tabaco, bem como de apoiar o maior número possível de pessoas para abandonarem esta dependência.

A probabilidade de vir a desenvolver cancro do pulmão nos ex-fumadores vai reduzindo progressivamente ao longo do tempo, mas nunca irá ser igual à de um nunca fumador. Também a exposição ao fumo passivo constitui um fator de risco ao desenvolvimento de doença oncológica, daí que seja importante limitar as áreas de fumo em locais fechados para promover o direito a respirar ar livre de tabaco.

Não há sintomas específicos

Não há sintomas específicos do cancro do pulmão, eles apenas refletem a localização e extensão das lesões. Quando presentes, normalmente são indicadores de doença que não é passível de cura. Podem condicionar sintomas constitucionais como a perda de peso exagerada e não explicada pela dieta, a fadiga e a perda de apetite ou sintomas respiratórios: tosse (ou a mudança das características da tosse); falta de ar; hemoptise (saída de sangue com a tosse); rouquidão e dor torácica.

No fundo, a lista de sintomas é muito mais extensa e variável, dado o imprevisível envolvimento do tumor em todo o nosso corpo. Não posso deixar de alertar que na suspeita de um tumor do pulmão é fundamental a avaliação em consulta de Pneumologia, não só para validar essa suspeita, como para iniciar uma investigação clínica.

Independentemente de estarmos perante sintomas, a verdade é que podemos ter um papel ativo na tentativa de conseguir um diagnóstico o mais atempado possível. Fruto da baixa sobrevida e porque as estatísticas são claras quando mostram que quanto mais cedo se diagnostica um tumor do pulmão melhor é o seu prognóstico, torna-se fundamental implementar medidas que visam identificar indivíduos assintomáticos em fase potencialmente curável.

Durante vários anos, tentou-se utilizar a radiografia de tórax (maior rentabilidade nos tumores periféricos) e a citologia da expetoração (maior rentabilidade em tumores centrais) na identificação precoce do cancro do pulmão. Contudo, todos os estudos foram dececionantes, pois apesar de terem demonstrado um aumento do diagnóstico de cancros não conduziram a uma redução da mortalidade. Estes métodos foram abandonados.

Com o desenvolvimento da TAC de tórax de baixa dose conseguiu-se reduzir a dose de radiação e o tempo de realização do exame (cerca de 15 segundos), mantendo a capacidade de detetar nódulos pulmonares comparável à TAC convencional (passível de detetar micronódulos de 2-3mm). Estava assim dado o pontapé de saída para o screening do cancro do pulmão.

Importância da utilização da TAC de baixa dose

Com base no maior estudo alguma vez feito, que avaliou mais de 50 000 pessoas, foi possível demonstrar que a TAC de baixa dose é capaz de reduzir a mortalidade do cancro do pulmão em 20%, motivo pelo que, desde 2012, está aprovado o rastreio do cancro do pulmão nos Estados Unidos da América. Na Europa, foi publicado no final de 2018 um estudo que também veio a confirmar a importância da utilização da TAC de baixa dose, sendo a redução da mortalidade de 26% aos 10 anos. Curiosamente, a redução da mortalidade no estudo europeu era ainda maior no grupo de mulheres (61% aos 10 anos).

Uma vez que só 15% dos cancros do pulmão são diagnosticados numa fase precoce, dada a ausência de sintomas, é necessário sensibilizar a população de risco para as mais valias de integrarem um programa de deteção precoce. O objetivo deste tipo de programas visa não só identificar e tratar doentes numa fase mais precoce e potencialmente curável, mas também em reduzir a exposição nociva através do incentivo à cessação tabágica.

Se está preocupado com o risco em vir a desenvolver um cancro do pulmão fale com o seu médico de forma a:

  • Esclarecer se é uma pessoa elegível a entrar num programa de deteção precoce
  • Se cumprir os critérios para se considerar uma pessoa de alto risco, o seu médico irá definir uma decisão-partilhada sobre o seu plano
  • Esclarecer quais os benefícios numa deteção atempada
  • Informar dos riscos associados (a radiação é sempre uma preocupação mas com recurso a protocolos de baixa dose, a radiação a que a pessoa está exposta é pouco maior do que aquela que se encontra numa mamografia)
  • Procurar ajuda para suspender hábitos tabágicos

Não se esqueça: um estilo de vida mais saudável é a chave para uma melhor saúde. A mesma passa por cuidados na dieta, praticar exercício físico de forma regular, dormir melhor, reduzir a exposição a substâncias nocivas como é o fumo do tabaco e procurar ajuda médica quando assim é necessário. Já diz o ditado, prevenir é melhor do que remediar.

Um bem-haja a todos os doentes e suas famílias que atravessam uma fase difícil com o diagnóstico de um cancro do pulmão. Não desistam, nós estamos cá para vos ajudar nesta luta e vencê-la. Este dia 1 de Agosto é para todos nós.