Alertar a população para a importância do controlo da asma e reconhecimento de sintomas e distinção dos casos de asma não controlada ou asma grave deve ser visto como uma prioridade a nível de saúde pública.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. José Ferreira Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC)

 

A asma é uma doença crónica que implica, em quase todos os casos, a existência de uma inflamação persistente das vias aéreas. É caracterizada pela ocorrência de sintomas como  falta de ar, aperto no peito e tosse, que variam de intensidade e ao longo do tempo.

Esta é uma patologia transversal, uma vez que pode afetar pessoas dos vários grupos etários, podendo impossibilitar o doente de aproveitar a vida na sua plenitude. De referir, ainda, que muitos casos de asma têm início na idade pediátrica e mais de metade transitam para a idade adulta.

DOENÇA HETEROGÉNEA

A asma é reconhecida, cada vez mais, como uma doença heterogénea, com manifestações diferentes de pessoa para pessoa e vários níveis de gravidade. Sendo que o mesmo doente pode sentir-se tendencialmente pior, por exemplo, à noite ou ao acordar, ou ter sintomas que agravam numa determinada estação do ano.

A asma é vista como uma das doenças respiratórias crónicas mais comuns a nível mundial e com maior aumento de incidência nos últimos 30 anos. Atualmente, afeta mais de 300 milhões de pessoas a nível mundial, número que poderá subir para 400 milhões até ao final da década, e é responsável por mais de 180 mil mortes anuais.

PERCEÇÃO ERRADA

Dados do Inquérito Nacional de Prevalência da Asma (INPA) estimam que, em Portugal, a patologia afete 700 mil pessoas, o que corresponde a 6,8% da população. Cerca de metade dos doentes não tem a sua asma controlada, embora fosse muito frequente neste estudo uma perceção errada ou conhecimento deficiente do estado de controlo da doença, pois 88% dos asmáticos não controlados consideravam que tinham a sua doença controlada.

Segundo o Observatório Nacional de Doenças Respiratórias (ONDR), em 2016, foram internados cerca de 2600 doentes por agudização de asma, tendo ocorrido 23 óbitos, a maioria dos quais poderiam ser evitados com o adequado tratamento de controlo da asma.

CAUSAS E SINTOMAS

As causas e sintomas da asma também são heterogéneas. Asma pode ser alérgica ou não alérgica, sendo a primeira a mais comum e conhecida. Uma parte crucial do diagnóstico é a identificação de potenciais fatores externos que podem desencadear o agravamento da asma, que pode ser provocada por uma complexa relação entre fatores genéticos e ambientais, tais como infeções virais, alérgenos, fumo do tabaco, poluição e agentes ocupacionais que influenciam, não só o seu aparecimento, como a sua progressão.

Outros importantes fatores de agravamento da asma são a obesidade e a coexistência de outras doenças, como a rinite, a rinossinusite, a polipose nasal, o refluxo gastroesofágico e a depressão.

A asma causa sintomas respiratórios, nomeadamente dificuldade em respirar (ou dispneia), pieira ou chiadeira, sensação de aperto no tórax, tosse e cansaço. A intensidade dos sintomas é muito variável de doente para doente e mesmo em cada doente, já que é possível passar dias, semanas ou meses sem sintomas, ou tê-los com muita frequência.

Também a intensidade das crises pode ser muito diferente de dia para dia. Nos casos de asma grave, os sintomas são de uma intensidade e frequência muito elevada, com crises de asma que podem durar dias e até obrigarem à hospitalização do doente.

Tendo em conta as principais causas da asma, a prevenção é importante, mas nem sempre possível e é, muitas vezes, insuficiente para o seu controlo.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da asma é essencialmente clínico e baseado na identificação de um padrão característico de sintomas respiratórios, como pieira, falta de ar, tosse e aperto torácico, bem como na confirmação de um ou mais dos três componentes de asma: obstrução  das  vias  aéreas, hiperreatividade brônquica e inflamação das vias aéreas.

O teste-padrão para confirmação do diagnóstico da asma é a espirometria com a prova de broncodilatação, que deve ser efetuado assim que surgem os sintomas iniciais.

ASMA GRAVE

A asma tem vários graus de gravidade e, se for persistente e contínua – apesar da terapêutica em doses máximas, efetuada com uma técnica inalatória correta em doente que cumpra a medicação prescrita –, pode ser classificada como asma grave. Em situações limite, a asma grave pode causar incapacidade permanente ou até a morte por falta de assistência ou da medicação mais adequada.

Do número total de pessoas com asma, 5 a 10% sofre de asma grave. Este é um quadro clínico que tem um grande impacto no dia a dia e na qualidade de vida dos doentes, requer tratamento com doses elevadas de corticoides inalados e um controlador adicional para prevenir o descontrolo da doença.

Segundo estudos recentes, cerca de 40% das pessoas com asma grave são internadas, pelo menos, uma vez por ano, devido a um ataque de asma. Os estudos revelam ainda que 1 em cada 5 doentes de asma grave perdem, no mínimo, um dia de trabalho ou escola a cada 15 dias, devido à doença e quase 1 em cada 4 (23%) dos adolescentes e adultos com asma grave já experienciaram, pelo menos, uma situação de “risco de morte”.

E, apesar da taxa de mortalidade na asma ser pequena, a verdade é que esta doença crónica pode ser fatal. Supõe-se, no entanto, que o número de vítimas mortais não ultrapasse 0,1% dos portadores da doença. Em números absolutos, são cerca de 180 mil pessoas à escala mundial.

TRATAMENTO DE CONTROLO

A asma não tratada durante anos, às vezes porque os sintomas são desvalorizados, acaba por entrar numa fase em que os efeitos da inflamação nos brônquios já não são completamente reversíveis e o controlo total nestes doentes torna-se um obstáculo muito maior.

Com a consciência de que a asma ainda representa um desafio real, é importante clarificar que vencer a asma significa não ter sintomas, não ter ataques nem crises, não ter limitações nem interferência da asma na qualidade de vida, na vida familiar e social.

O principal tratamento da asma é o tratamento de controlo, ou seja, o uso de medicamentos que controlem a doença e evitem o aparecimento de sintomas. Atualmente, os tratamentos disponíveis permitem que muitas pessoas com asma não tenham sintomas da doença durante semanas, meses ou até anos.

A base do tratamento são os corticoides inalados, que são os medicamentos mais eficazes na prevenção das crises de asma. Podem e devem, por vezes, associar-se a outros medicamentos, como os broncodilatadores (beta-agonistas de longa duração) e os anti-leucotrienos. No caso da asma grave, mesmo com doses elevadas de corticoides inalados e restante medicação tomada todos os dias, estes doentes continuam a viver diariamente com limitações importantes das suas atividades e medo de ter de uma crise. Na tentativa de prevenir as exacerbações e aliviar os sintomas, os corticosteroides sistémicos são, por vezes, usados de forma crónica, apesar dos efeitos secundários, que podem passar por problemas como excesso de peso, depressão, ansiedade, diabetes, hipertensão e osteoporose.

NOVOS TRATAMENTOS BIOLÓGICOS

Felizmente, nos últimos anos, surgiram os chamados tratamentos biológicos para a asma. Trata-se de anticorpos desenvolvidos em laboratório que se vão ligar a moléculas-alvo existentes no nosso corpo e que estão na base do desenvolvimento dos sintomas de asma, conseguindo assim controlá-los. Estes tratamentos têm eficácia comprovada em casos devidamente selecionados e não têm os efeitos secundários associados aos corticosteroides. Para algumas das pessoas com asma grave, podem representar a esperança de recuperar a qualidade de vida e o controlo dos sintomas.

A promoção da atividade física e da perda de peso, a evicção da exposição aos alergénios e ao fumo do tabaco, bem como o controlo das doenças associadas (rinite, rinossinusite, refluxo gastroesofágico, depressão, etc.) são fundamentais no controlo da asma.

Alertar a população para a importância do controlo da asma e reconhecimento de sintomas e distinção dos casos de asma não controlada ou asma grave deve ser visto como uma prioridade a nível de saúde pública.

Artigo publicado na edição de março 2020 (nº 303)