A estenose valvular aórtica degenerativa é uma doença que afeta principalmente doentes idosos e muito idosos. Felizmente, a técnica TAVI, um tratamento minimamente invasivo, mercê dos seus bons resultados, impôs-se na última década, também em Portugal.

 

Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. Lino Patrício, Cardiologista do Centro de Responsabilidade Integrada Cérebro-Cardiovascular do Hospital Espírito Santo, em Évora.

 

 

“O coração é como uma bomba”, costuma dizer-se. É verdade! Tal como qualquer bomba, a parte mecânica bombeia o sangue e é ativada por um sistema elétrico, que é possível registar no eletrocardiograma. E qualquer sistema hidráulico de bombagem tem de ter válvulas, dispositivos de passagem de fluxo unidirecional.

No coração existem quatro válvulas: mitral, tricúspide, aórtica e pulmonar. As duas primeiras separam o fluxo das aurículas para os ventrículos e as segundas, válvulas de escape do sangue do coração para os grandes vasos, separam, respetivamente, o ventrículo esquerdo da aorta e o direito da pulmonar.

VÁLVULA DISFUNCIONAL

A válvula aórtica, que é o motivo deste artigo e está situada à saída do coração, permite a saída do sangue em cada contração (sístole) para a aorta e impede o refluxo em cada relaxamento do coração (diástole). É percetível que, se a válvula estiver apertada, com estenose, irá impedir a saída de sangue do coração e, se estiver incompetente, irá permitir o refluxo de sangue em cada diástole de novo para o coração, o que não se pretende que aconteça.

As válvulas podem ter alterações geneticamente determinadas ou ser sede de processos adquiridos: tumorais, inflamatórios/infeciosos ou degenerativos. Os processos degenerativos são, atualmente, os existentes na grande maioria dos doentes com doença valvular.

DOENÇA DOS AVÓS, MAS NÃO SÓ

A esperança de vida da população portuguesa aumentou muito nos últimos anos, bem como o número dos que estão a chegar a idosos ou muito idosos. Esta nova realidade tornou a estenose valvular aórtica degenerativa numa “nova pandemia” no mundo ocidental.

Relativamente a estes doentes idosos e muito idosos, muitas vezes com outras morbilidades, há uma carência de substituição valvular. Será compreensível que, em alguns desses doentes, a cirurgia cardíaca seja preocupante, quer para o cirurgião, levando à recusa cirúrgica, quer para o doente, com a perceção de um tempo de recuperação prolongado, preferindo este técnicas menos invasivas.

No entanto, a estenose aórtica, ainda que seja conhecida como uma “doença de avós”, não afeta apenas pessoas idosas, sendo crucial realizar exames de diagnóstico aquando dos primeiros sintomas. Por exemplo, pessoas que desenvolvem estenose aórtica como resultado de um defeito de nascença podem não desenvolver sintomas até a idade adulta, sendo importante diagnosticar de forma precoce a doença.

DIAGNÓSTICO, POR VEZES, DIFÍCIL

A estenose aórtica provoca fundamentalmente três sintomas: o cansaço, a dor no peito (angina de peito) e a síncope, que é o desmaio – a perda da função do cérebro, por redução do débito cardíaco ao cérebro.

Quando detetados numa pessoa mais jovem, podem chamar à atenção, ainda que o problema não seja logo identificado. No entanto, o problema que se põe é que estamos a tratar maioritariamente doentes idosos, doentes que já por si têm algumas queixas de cansaço – que é um sintoma predominante – e, por vezes, é difícil perceber o que é sintoma e o que é normalidade.

E muitos destes doentes têm, de facto, estenose aórtica, que agrava o cansaço, mas relacionam este cansaço com a idade. É difícil, do ponto de vista clínico, o diagnóstico nestes doentes mais idosos.

TÉCNICA TAVI: TRATAMENTO MINIMAMENTE INVASIVO

No início do milénio, o Professor Cribier inventou uma válvula que, ao ser introduzida por uma artéria da virilha (técnica percutânea) e montada sobre um cateter, é levada ao coração sob visão radioscópica e colocada sobre a válvula nativa, substituindo-a. É a chamada TAVI, do anglicismo Transcatheter Aortic Valve Implantation.

Abriu-se, assim, um novo mundo no tratamento minimamente invasivo da válvula aórtica, como antes já tinha acontecido com outras áreas da Medicina e mesmo na Cardiologia, com a angioplastia coronária.

O tratamento cirúrgico foi e é, ainda, o gold standart das doenças valvulares. Conhecemos os seus resultados no tratamento da doença valvular reumática, nomeadamente na doença mitral, aórtica e tricúspide, nas quais a cirurgia foi crucial, em doentes mais jovens.

Já a técnica percutânea necessitava de resultados discriminados em estudos e registos por todo o mundo, havendo em Portugal um registo nacional de todos os casos de implantação de válvulas TAVI. Infelizmente não temos, ainda, um registo nacional no tratamento cirúrgico.

Nos primeiros estudos, a técnica percutânea, TAVI, foi estudada primeiro em doentes inoperáveis e depois de alto e médio risco cirúrgico. Nestes doentes, mais velhos e com pior prognóstico, a indicação da TAVI, mais cara, condicionou inicialmente a sua aceitação pelos decisores financeiros.

Leia o artigo completo na edição de outubro 2021 (nº 319)