A cirurgia da tiroide tornou-se num dos procedimentos cirúrgicos mais comuns da cirurgia geral e, sem dúvida, o mais comum da cirurgia endócrina, devido ao aumento do uso da ecografia cervical e da citologia aspirativa por agulha fina. O objetivo desta cirurgia continua a ser eliminar a doença, mantendo a fisiologia e o melhor resultado cosmético possível.

Artigo da responsabilidade do Dr. Nuno Pinheiro. Cirurgião geral/endocrino. Hospital CUF Descobertas

 

Desde Albucasis (925 d.C.), um árabe de Córdova que está descrito como tendo sido aquele que fez a primeira tiroidectomia a um bócio sob sedação com ópio, até aos dias de hoje, percorreu-se um longo caminho com avanços e recuos.

A taxa de complicações e a mortalidade desta cirurgia eram, na altura e nos primeiros tempos deste procedimento, tão elevadas que as descrições da época nos parecem, à luz dos atuais conhecimentos e resultados, tão irreais como totalmente improváveis.

AVANÇOS E RECUOS

Já no século XIII e por influência da Igreja, a prática da Medicina – e em especial da cirurgia – foi desencorajada no seio dos mais favorecidos, passando a ser executada pelas classes sociais mais baixas, que passaram a ser conhecidas por “barbers”.

Em 1511, Leonardo da Vinci fez a primeira ilustração da anatomia da tiroide nos seus estudos de Anatomia, em Florença, embora não soubesse a exata função deste órgão.

Só em meados do seculo XIX, com a evolução da anestesia e a melhoria no controlo da infeção e da técnica da hemóstase, se saiu do marasmo em que a cirurgia da tiroide se encontrava, com a consequente melhoria dos resultados.

William Halsted (EUA), em 1850, afirmava que esta cirurgia tinha uma mortalidade de 40% e o escocês Robert Liston dizia: ”Nenhum cirurgião honesto e sensato deve envolver-se nesta cirurgia”.

Foi com Albert Billroth – cirurgião em Viena e Zurique – e, posteriormente, com o seu discípulo Theodor Kocher – Prémio Nobel em 1909 –, que esta cirurgia se desenvolveu e passou a ser aceite e respeitada pela classe médica. Kocher afirmava que “o cirurgião é um médico que sabe operar e sabe quando não o deve fazer” e, em 1917, no Congresso Suíço de Cirurgia, apresentou a sua casuística de mais de 500 tiroidectomias com uma taxa de mortalidade de 0,5 por cento.

Halsted viu Billroth e Kocher a operar e percebeu a razão da diferença dos seus resultados: Theodor Kocher era metódico, preciso, utilizava uma técnica sem hemorragia e removia toda a glândula, não ultrapassando a sua cápsula. Pelo contrário, Albert Bilroth era mais rápido, respeitando menos as estruturas e tinha menos preocupação pela hemorragia, provavelmente removendo as paratiroides e deixando um remanescente de glândula. Este pormenor explica o que posteriormente vieram a ser descritas como as principais complicações da cirurgia tiroideia.

CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA

O conhecimento da embriologia e da anatomia da tiroide é essencial para executar uma técnica cirúrgica segura. Não há lugar para improvisos, devido às sérias consequências que isso pode provocar para o doente, uma vez que existem várias complicações descritas. Entre elas, a lesão do nervo laríngeo recorrente, que enerva as cordas vocais; a excisão inadvertida ou a simples má vascularização das paratiroides, que produzem uma hormona que interfere com a produção do cálcio; e a possibilidade de hemorragia no pós-operatório, provocando um hematoma cervical e subsequente dificuldade respiratória por compressão da traqueia.

Há muitos fatores que podem afetar o prognóstico final deste procedimento, destacando-se o diagnóstico da doença (benigna ou maligna, com ou sem hiperfunção), o volume da própria glândula, o seu crescimento retroesternal ou endotorácico (bócio mergulhante), a existência ou não de um processo inflamatório (tiroidite) e a extensão extra tiroideia.

Mas talvez o fator mais importante continue a ser a experiência do cirurgião, havendo países que definiram que, para se ser considerado um cirurgião com experiência em cirurgia da tiroide, é necessário realizar um número mínimo de cirurgias por ano: cerca de 50.

Conforme referido no início, a cirurgia da tiroide evoluiu muito e, hoje em dia, é considerada uma cirurgia segura, desde que seja executada em centros de referência e por cirurgiões experimentados.

NOVAS FERRAMENTAS

O evoluir dos tempos também nos trouxe algumas tecnologias que nos ajudam a minimizar as complicações e novos tipos de abordagem que tentam melhorar o efeito cosmético de uma incisão cervical.

Entre as “ferramentas” que podemos utilizar no intraoperatório, devemos referir a neuromonitorização intraoperatória do nervo recorrente, que nos ajuda a localizar ou a confirmar a localização do nervo recorrente e, assim, evitar a sua lesão.

Outra ajuda, ainda não utilizada com tanta frequência, é a localização das paratiroides com a imunofluorescência. Ou, ainda, a utilização de tesouras/pinças hemostáticas, que ajudam a encurtar o tempo operatório, com toda a segurança.

Leia o artigo completo na edição de julho-agosto 2022 (nº 329)