Com mais de 10 milhões de novos casos diagnosticados por ano em todo o mundo e 10 milhões de mortes só em 2020, o cancro continua a ser um dos problemas de saúde mais preocupantes da nossa era, com impacto significativo, e muitas vezes devastador, na vida dos doentes e das suas famílias.

O combate ao cancro é muitas vezes difícil, não só pela agressividade biológica e pela ausência de tratamentos eficazes para parte deles, mas também devido às diferentes expressões que o mesmo tumor pode assumir, em função das características individuais de cada individuo tais como a idade, género, a genética, o histórico de tratamentos prévios, o estilo de vida, entre outros.

Além disso, assim como não existem duas pessoas iguais, também não há dois cancros iguais, pelo que a Medicina Personalizada é a forma mais lógica de abordar esta patologia, tratando cada doente e cada doença como se fossem verdadeiramente únicos.

É precisamente neste contexto, cada vez mais valorizado, de personalização de cuidados de saúde, que o conceito de Teranóstica se insere. Resultante da combinação entre “diagnóstico” e “tratamento”, a Teranóstica permite prever a eficácia de determinado medicamento com base em exames prévios. A Medicina Nuclear é a área da Medicina que mais tem utilizado este conceito, e fá-lo há mais de 80 anos, recorrendo a medicamentos especiais que incorporam elementos radioativos (radiofármacos) e que se dirigem para determinado alvo no tumor, quer com intuito diagnóstico quer com intenção terapêutica.

“De forma simplificada, a Teranóstica – em inglês Theranostics, provém dos termos Therapeutic + Diagnostic – é uma prática de medicina personalizada, que consiste na utilização de compostos específicos de tumores, marcados com um isótopo para encontrar e diagnosticar a doença. Chamamos-lhe terapêutica alvo por essa razão – temos um alvo e, com este procedimento, conseguimos identificá-lo e monitorizá-lo ao longo do tempo. Se estes alvos estiverem presentes e forem visíveis, é utilizado um medicamento radioativo para tratar os tumores, que se dirige para esse mesmo alvo”, explica a Dra Gracinda Costa, diretora do Serviço de Medicina Nuclear da Unidade Local de Saúde de Coimbra.

A Teranóstica oferece o tratamento certo, para o doente certo, no momento certo, com a dose certa, proporcionando uma farmacoterapia mais direcionada e eficiente. “Ao conseguirmos identificar as células que contêm o referido “alvo”, conseguimos otimizar o tratamento – apenas avançamos com o mesmo se as células que queremos destruir apresentarem o “alvo”. Deste modo, também evitamos atingir os órgãos saudáveis que, à partida, expressam muito menos o “alvo”” , explica a especialista, acrescentando ainda que, “sendo a componente de diagnóstico da Teranóstica um procedimento não invasivo – realizado por meio de exames PET/CT e SPECT/CT e não de biópsias, por exemplo – pode ser feito a qualquer momento, permitindo um acompanhamento e avaliação frequentes e regulares ao longo do tempo”.

No âmbito da Teranóstica aplicada à Medicina Nuclear, a componente terapêutica pode efetivamente melhorar os doentes com cancros em fases mais avançadas, e que eventualmente podem ser resistentes a outros tratamentos, aumentando a sobrevivência e melhorando também a qualidade de vida.

Apesar de a Teranóstica ter pouca visibilidade e de ser mal conhecida junto da população, em Portugal já é utilizada há várias décadas em tumores da tiroide e em tumores neuroendócrinos, por exemplo, que são tumores relativamente raros. Porém, recentemente, foi aprovado um novo radiofármaco para o cancro da próstata avançado, que é um tumor bem mais frequente. Assim, “ao expandir as aplicações clínicas para situações mais frequentes acaba por ser necessário falar mais sobre o tema – até porque a necessidade de expandirmos os cuidados personalizados começa a ser cada vez maior”, refere a Dra Gracinda Costa.

De acordo com a União Internacional para o Controlo do Cancro, mais de 703 milhões de pessoas em todo o mundo têm atualmente mais de 65 anos, o que representa 9,1% da população mundial, sendo que as estimativas sugerem que esta proporção aumentará para 15,9%, até 2050. O envelhecimento crescente da população afetará a incidência do cancro, uma vez que mais de 50% das pessoas que têm cancro têm 65 ou mais anos. Estas estatísticas populacionais reforçam a necessidade do desenvolvimento contínuo de diagnósticos e terapêuticas de precisão.

Reforçando a necessidade de um tratamento mais personalizado do cancro, está a crescente resistência à terapêutica, impulsionada pela fase de diagnóstico, carga tumoral, crescimento e heterogeneidade, barreiras físicas e estado imunitário do doente. A forte necessidade clínica de terapias de precisão e de tratamentos direcionados em oncologia continua a alimentar a procura de novas oportunidades de teranóstico. O objetivo é obter tratamentos mais precisos e ajudar a melhorar a qualidade de vida e a sobrevivência dos doentes com cancro.

No futuro

É provável que a teranóstica seja alargada a mais cancros num futuro próximo, e que venham a gerar ganhos, não só através da qualidade de vida, mas também em termos de sobrevivência, já que se espera que muitos dos novos compostos teranósticos que estão a ser desenvolvidos entrem em ensaios clínicos.

Os principais fatores que estão a impulsionar o crescimento do mercado, incluem o aumento da aplicação da medicina nuclear no diagnóstico e no tratamento. Existe uma necessidade crescente de um diagnóstico precoce e preciso e um número crescente de estudos de investigação relativos a radiofármacos para o tratamento e diagnóstico de múltiplas patologias.