Todos os dados disponíveis e estudos apontam para que os fatores de risco vascular, com particular destaque para a hipertensão arterial, conferem maior risco de complicações e mortalidade nos doentes infetados com o vírus sars-cov-2.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Vítor Paixão Dias, Diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho, EPE. Especialista em Hipertensão Clínica da Sociedade Europeia de Hipertensão. Presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão

 

 

 

Os fatores de risco vascular, com a hipertensão arterial (HTA) à cabeça, são responsáveis pelas complicações vasculares, seja a nível cerebral, cardíaco, renal ou das grandes artérias. Infelizmente, a principal complicação é a morte. E esta pode surgir quer como primeira apresentação da doença vascular, quer como consequência dos acidentes vasculares acima referidos.

Desencadear a descompensação

As infeções víricas e/ou bacterianas são, muitas vezes, o “gatilho” para desencadear a descompensação de doentes com fatores de risco ou doença vascular, muitos dos quais estavam perfeitamente estáveis até então.

O vírus SARS-CoV-2, responsável pela COVID-19, não é diferente, e o facto de, até há muito pouco tempo, não haver profilaxia, a não ser as medidas higieno-sanitárias, constitui um óbvio obstáculo à contenção e controlo da doença e das suas complicações.

De acordo com o site worldmeters.info, acedido a 7 de Fevereiro de 2021, Portugal, com os seus mais de 750.000 casos e cerca de 14.000 mortes, ocupava o 10º lugar a nível mundial no número de casos por milhão de habitantes, número que nos preocupa e até, de certa forma, nos envergonha.

Importante comorbilidade

De acordo com os primeiros relatos oriundos da China, a hipertensão arterial foi identificada como uma das mais frequentes doenças ou comorbilidades associadas à COVID-19, quer nas formas mais ligeiras desta doença, quer naqueles casos com necessidade de admissão em unidades de cuidados intensivos.

E mesmo quando se tem em conta o ajustamento para a idade, já que a HTA aumenta com a idade e este fator por si só acarreta um grande risco de complicações associadas à COVID-19, a hipertensão (e os outros fatores de risco, de que se destaca a diabetes), continua a ser uma importante comorbilidade com efeitos negativos nos doentes infetados pelo novo coronavírus.

Seja como for, uma importante mensagem a reter é que as pessoas que desenvolvem doença grave são mais vulneráveis devido à presença de fatores de risco ou doença vascular prévia.

Pandemia não poupa ninguém

Logo no início da pandemia se percebeu, após análise da evolução da curva epidémica que, se se quer reduzir o número de infetados e mortos, as medidas de confinamento drástico (“fique em casa”, distanciamento social, quarentena) são as mais eficazes e deverão ser assumidas o mais precocemente possível.

A pandemia COVID-19 não poupa ninguém, nem mesmo os profissionais de saúde ocupados a tratar dos doentes infetados, o que é dramático, como facilmente se compreende.

Hipertensos em maior risco

Segundo dados observacionais que foram entretanto surgindo, percebemos que quase um quarto dos doentes com COVID-19 tinham comorbilidades e aqueles com doença grave eram, em termos médios, quase 10 anos mais velhos do que os com doença mais ligeira. Felizmente que a grande maioria das pessoas infetadas contrai doença ligeira a moderada e podem permanecer no seu domicílio, pois de outra forma a pressão sobre os sistemas de saúde seria absolutamente incomportável.

De entre as várias comorbilidades que têm sido associadas a doença grave e mortalidade estão a doença cardiovascular e cerebrovascular (de que a HTA é o principal fator de risco), a diabetes mellitus, a própria hipertensão arterial ou a obesidade, a par de outras como a doença pulmonar obstrutiva crónica, o cancro e a doença renal crónica.

Em estudos realizados em diversos países, particularmente na China, Itália e Estados Unidos, verifica-se uma maior mortalidade no sexo masculino.

Num estudo retrospetivo com mais de 70.000 casos (Wu Z, McGoogan JM, 2020), o risco de morte não ajustado para a idade foi 5 vezes superior nos indivíduos com doença vascular.

Por outro lado, nos doentes afetados pela COVID-19, a presença de lesão cardíaca agrava também, de forma muito significativa, o prognóstico. Estes doentes em que o coração é atingido, (Tao Guo et al, 2020) são geralmente mais velhos, mais frequentemente do sexo masculino e com mais comorbilidades (mais uma vez, com a HTA, a diabetes e a doença das artérias coronárias como as mais frequentes).

Em conclusão

  • O risco de complicações relacionadas com a COVID-19 é substancialmente maior naquelas pessoas que, de base, já têm um maior risco; o prognóstico é pior nestas pessoas;
  • Os fatores de risco vascular, com particular destaque para a hipertensão arterial e a diabetes mellitus, conferem maior risco de complicações e mortalidade nos doentes infetados com o vírus SARS-CoV-2.

Tal como afirmam Bernd Kamps e Christian Hoffmann (2020), “as pessoas na Europa e noutras partes do Mundo terão de se adaptar e inventar novos estilos de vida, naquele que é evento mais perturbador desde a Segunda Guerra Mundial”.

Artigo publicado na edição de março 2021 (nº 314)