O Dia Mundial do Cancro do Ovário é uma iniciativa da World Ovarian Cancer Day (WOCD), uma rede de ONGs do mundo inteiro que se uniram a fim de lançar uma ação global para aumentar a literacia sobre este cancro, um dos tumores ginecológicos mais letais e silenciosos. Os objetivos principais foram dar visibilidade à doença, promover o diagnóstico precoce e incentivar o conhecimento dos sintomas e sinais, fatores de risco e estratégias de prevenção. Esta data simbólica é uma oportunidade para mobilizar campanhas, eventos e ações educativas em todo o mundo, com o intuito de melhorar a sobrevivência e a qualidade de vida das mulheres com cancro do ovário.

Artigo da responsabilidade do Dr. Henrique Nabais. Diretor da Unidade de Ginecologia da Fundação Champalimaud

 

De acordo com o New Global Cancer Data (Globocan 2020), o número de mulheres diagnosticadas com cancro de ovário e mortes aumentará em 42% e 50%, respetivamente, até 2040, se não ocorrer alguma mudança significativa na conduta atual. Esta estimativa demonstra a gravidade da doença, reflexo da ausência de um conhecimento profundo e a um diagnóstico tardio. Na verdade, atualmente, apenas cerca de 20%-25% das mulheres têm um diagnóstico precoce (estádios I e II) devido à ausência de exames de rastreio/diagnóstico precoce e de sintomas específicos nos estádios iniciais.

São vários os fatores de risco associados ao cancro do ovário como a história familiar (mulheres com um ou mais parentes de primeiro grau com cancro do ovário) / fator genético, idade (>50 anos), exposição hormonal (o uso prolongado de terapêutica de reposição hormonal), ausência de gestações, obesidade, tabagismo e exposição a produtos químicos (por exemplo, o talco). No entanto, na maior parte dos casos não é identificado qualquer fator de risco.

Mas, nem tudo são más notícias, pois existem alguns fatores que parecem reduzir o risco como é a utilização de contracetivos (mulheres que usam contracetivos orais por um período mínimo de cinco anos têm um risco menor), a gravidez e a amamentação, o exercício físico, a remoção cirúrgica oportunística das trompas de Falópio e a remoção dos ovários e trompas (em doentes com risco genético).

O avanço no conhecimento das mutações genéticas associadas ao cancro do ovário representa uma das maiores conquistas da medicina personalizada. Saber quem está em risco permite não só intervir preventivamente, mas oferecer também tratamentos mais eficazes e menos invasivos. Para salvar vidas há que redefinir estratégias de prevenção, tratamento e acompanhamento.

À luz do conhecimento atual, pelo menos até 25% dos cancros do ovário fazem parte de síndromes familiares resultantes de mutações hereditárias em certos genes. Inclui por exemplo, mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 (as mais prevalentes e associadas também a outros cancros como o da mama, trompa de Falópio, peritoneu, pâncreas e próstata), no gene PTEN (síndrome do hamartoma tumoral PTEN), no gene STK11 (síndrome de Peutz-Jeghers), nos genes, RAD51C e RAD51D, no gene MUTYH (polipose associada ao MUTYH), nos genes ATM, BRIP1 e nos muitos genes que podem estar associados ao cancro colorretal hereditário não polipóide (MLH1, MLH3, MSH2, MSH6, TGFBR2, PMS1 e PMS2).

Enquanto o risco populacional de uma mulher desenvolver cancro do ovário ao longo da vida ronda 1% a 2%, este valor dispara para 40% a 50% nas portadoras de mutação BRCA1 e para 17% a 20% nas portadoras de BRCA2. Esta realidade sublinha a importância da hereditariedade, mas também a importância da identificação precoce das mulheres com mutações consideradas patogénicas.

A realização de testes genéticos para identificar mutações BRCA1/2 é hoje recomendada para todas as mulheres com cancro do ovário não mucinoso, permitindo uma vigilância mais apertada e decisões clínicas personalizadas. Estes testes também são oferecidos aos familiares de doentes em que tenha sido identificado uma mutação associada a um aumento de risco.

A vigilância nas mulheres com risco aumentado pode incluir a ecografia ginecológica, análises ao sangue e a remoção profilática dos ovários e trompas, sendo que esta última medida reduz em cerca de 90% o risco de desenvolvimento do cancro do ovário. Estas estratégias são particularmente importantes na ausência de um rastreio eficaz e na presença de um cancro com evolução silenciosa, o que se conjuga para que na maioria dos casos o diagnóstico ocorra em estádios avançados.

Por fim, reforço uma das mensagens mais importantes do Dia Mundial do Cancro do Ovário, “Nenhuma Mulher Fica Para Trás”, a qual reitera a necessidade de democratizar o acesso ao conhecimento, diagnóstico e acompanhamento. A informação sobre mutações genéticas deve ser acessível a todas as mulheres, independentemente da sua origem ou condição socioeconómica, o que é essencial para poder agir precocemente e reduzir o impacto devastador desta doença. A informação salva vidas!