“Sempre pensei que ser desorganizada, distraída e estar exausta constantemente era só “parte de mim”. Afinal, agora sei que era a PHDA.”
Durante décadas, a perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) foi vista como uma condição exclusiva de crianças e sobretudo de rapazes irrequietos nas salas de aula. Este estereótipo criou um vácuo perigoso: milhares de mulheres adultas passaram (e continuam a passar) décadas sem um diagnóstico correto, lidando sozinhas com sintomas que interferem profundamente na vida profissional, afetiva e emocional.
Artigo da responsabilidade da Dr.ª Inês Costa Maia. Psiquiatra e Psicoterapeuta
Hoje, felizmente, começamos a olhar para a PHDA de forma mais abrangente. Mas atenção: a crescente sensibilização não pode substituir o rigor clínico. Diagnosticar PHDA de forma adequada exige uma formação específica, experiência clínica, ferramentas formais, e um olhar atento aos diagnósticos diferenciais.
PHDA na mulher adulta: como se manifesta?
Ao contrário do que muitos pensam, a PHDA nem sempre “desaparece” com a idade, apenas muda a sua manifestação típica. E nas mulheres, manifesta-se muitas vezes de forma subtil, sem hiperatividade visível, mas com um impacto interno intenso:
- Desorganização crónica
- Dificuldade em manter o foco (especialmente em tarefas rotineiras)
- Hiperfoco em atividades prazerosas
- Procrastinação extremae sensação de “trabalhar melhor sob pressão”
- Impulsividade emocional (reações emocionais intensas e rápidas, mudanças de humor)
- Sensação de estar constantemente “a falhar” ou estar sobrecarregada
- Esquecimentos frequentes, mesmo em tarefas simples
- Baixa autoestima crónica, associada a críticas internas constantes
- Inquietude interna
Muitas mulheres ouvem desde cedo que são “distraídas”, “preguiçosas”, “desorganizadas” ou “emocionais demais”. Na realidade, podem estar a viver com uma PHDA não diagnosticada, que é uma perturbação tratável.
A importância de um diagnóstico rigoroso
Com a crescente divulgação do tema nas redes sociais, é positivo que mais pessoas reconheçam os sintomas. No entanto, existe também o risco de diagnósticos precipitados ou pouco informados, muitas vezes baseados apenas em questionários online ou breves conversas clínicas.
Um diagnóstico sério e responsável de PHDA deve ser feito por profissionais com formação formal nesta área, e deve incluir:
- Entrevistas clínicas estruturadas(como o DIVA 2.0)
- Escalas validadasde avaliação (como a HASE – Escalas Homburger de PHDA para adultos, uma bateria de testes pormenorizada usada por exemplo na Alemanha )
- História clínica detalhada, com foco nos sintomas desde a infância, incluindo notas e relatórios escolares e se possível informações de familiares acerca do paciente
- Avaliação de diagnósticos diferenciais, como:
- Perturbações de personalidade (especialmente borderline)
- Ansiedade generalizada
- Depressão
- Burnout
- Traumas complexos
Sem este rigor, corremos o risco de inflacionar artificialmente o número de diagnósticos, o que pode levar a tratamentos desajustados ou, pior, à descredibilização de quem realmente vive com PHDA.
E depois do diagnóstico? Há tratamento — com e sem medicação
Receber o diagnóstico certo pode ser transformador. Não é um “rótulo”, mas sim uma chave que abre portas para se compreender a si própria e começar a fazer escolhas mais informadas e cuidadas.
Intervenções sem medicação:
- Psicoeducação— compreender o funcionamento da PHDA e os seus impactos diários
- Psicoterapia— especialmente Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)adaptada à PHDA, com foco na autorregulação, planeamento e autoestima
- Treino de competências executivas— organização, gestão do tempo, estratégias de memória
- Mindfulness e técnicas de autorregulação emocional
Medicação (quando indicada):
- Estimulantes (como metilfenidato ou anfetaminas)
- Não estimulantes (atomoxetina, guanfacina)
- Sempre com acompanhamento psiquiátrico regular e personalizado
Em busca de clareza, não de rótulos
A mensagem principal é clara: a PHDA na mulher adulta existe — e pode ser tratada com sucesso. Mas é essencial que o diagnóstico seja feito com conhecimento, cuidado e ética clínica. Nem tudo o que parece PHDA o é. E nem tudo o que tem o mesmo nome, tem tratamento igual para todos.
Se se reconhece nos sinais aqui descritos, procure ajuda. Fale com o seu médico ou com um especialista em saúde mental com experiência em PHDA em adultos. A informação é poder, mas o diagnóstico certo pode ser o início da liberdade.
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