Grande parte das patologias respiratórias beneficia da prevenção e do diagnóstico precoce ou rastreio. Neste ambiente em que “o que não é covid importa menos”, é natural que alguma prevenção tenha ficado por fazer.

 

Artigo da responsabilidade do Prof. José Alves, pneumologista e presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão

 

A covid-19 atingiu-nos de forma inesperada em todos os setores, dentro e fora da Medicina. Parece que vivemos um filme de ficção científica de mau gosto. Mais uma vez, como em tantas outras, a realidade ultrapassou a ficção! Como sempre, também, há setores mais atingidos e a Pneumologia é um deles, porque os seus profissionais viram-se obrigados a dividir o seu tempo de trabalho entre patologia covid e patologia não-covid. Sem aumento de recursos, viram-se obrigados a respostas adicionais nos seus serviços, nas suas consultas externas, nos locais específicos de tratamento covid dentro e fora das UCI.

É natural que alguma coisa tenha ficado para trás, nada que seja – ou possa vir a ser – grave. Não é esse o ADN dos nossos clínicos, tenho a certeza. Mas sim, poderá ter ficado para segundo plano a prevenção.

Grande parte das patologias respiratórias beneficia da prevenção e do diagnóstico precoce ou rastreio. Neste ambiente em que “o que não é covid importa menos”, com este sentimento generalizado de que “em tempo de guerra não se limpam armas”, é natural que algumas contas tenham ficado por fazer, mas nenhum doente terá ficado, tenho a certeza, por ver, estudar e tratar convenientemente.

TABACO

O hábito tabágico provoca uma série de patologias respiratórias. É responsável por 90% das doenças pulmonares obstrutiva crónicas (DPOC), aumenta 25 vezes o risco de cancro do pulmão, aumenta o risco de pneumonias, agrava o enfisema e a asma. Aumenta a percentagem de hemoglobina ligada ao monóxido de carbono (CO) que chega a 12 a 15% nos fumadores de um maço por dia. Enfim, o tabaco é o inimigo público número um dos doentes respiratórios.

Penso que, durante este ano, se terá descuidado a guarda relativamente a esta luta em particular. Falou-se menos do tabaco e dos seus malefícios. Vimos nos media que fumar aumentava o risco de transmissão do SARS-CoV2, sendo esse o ponto mais importante, como se não houvesse DPOC, como se não houvesse cancro do pulmão.

É fundamental voltar a pensar nesta questão com o cuidado que ela merece. Deixar de fumar é o ato isolado que melhor se relaciona com o aumento e qualidade de vida dos doentes respiratórios e dos doentes que podem vir a ser respiratórios. A evicção tabágica é uma luta que não podemos descurar, nunca.

DPOC 

Esta doença é responsável por um grande número de internamentos, gastos com saúde, perda de anos ativos e mortes precoces. Vimos que é provocada pelo tabaco e pode, por isso, ser prevenida. É uma patologia progressiva, incapacitante, mortal, mas prevenível. Sem controlo, leva à insuficiência respiratória, incapacidade de oxigenação conveniente do sangue, com necessidade de suplementação de oxigénio. Estas são as más notícias. As boas são que, sendo prevenível, o seu diagnóstico nas fases iniciais pode alterar completamente o quadro clínico, controlando os seus efeitos, quer a nível individual, quer a nível de saúde pública.

Como se faz este diagnóstico precoce? Com um exame fácil, que não necessita de preparação especial, não carece de tempo de recobro e não precisa de anestesia: a espirometria. Este exame pode ser a pedra chave na modificação da história natural da DPOC. Paralelamente a deixar de fumar.

Se for fumador(a), deve parar, claro! Mas deve também pedir à(o) sua (seu) médica(o) assistente uma espirometria. Ficará, assim, consciente do risco de ter ou vir a ter esta patologia e, nessa medida, mais capaz e motivado para inverter a situação. Se fuma, faça uma espirometria.

CANCRO DO PULMÃO

As doenças oncológicas são uma grande causa de morte e de morbilidade. O cancro do pulmão é particularmente letal pelas suas características clínicas, pela sua localização e pela dificuldade no seu tratamento. Mais uma vez, a prevenção e o diagnóstico precoce são a chave da abordagem. O cancro do pulmão não tem queixas específicas e, muitas vezes, os primeiros sintomas aparecem só em fases tardias.

Como podemos defender-nos desta doença? Pensando nela, particularmente se formos fumadores. Queixas recorrentes e persistentes, como tosse seca, expetoração crónica com sangue ou sem ele, aparecimento de chiadeira localizada, são alguns dos sinais de alarme. Na sua presença, devemos procurar ajuda clínica.

O diagnóstico é necessário e quanto mais rápido melhor. Não podemos ceder à pressão da covid e deixar para depois. Pelo contrário, é nossa obrigação forçar o diagnóstico tão cedo quanto possível. O diagnóstico em estádios iniciais permite a cirurgia e a cura.

Os estádios mais avançados têm vindo a responder a novas terapêuticas, mais capazes e eficientes, sendo a esperança de vida destes doentes muito melhor do que era até há pouco tempo, mas quanto mais cedo se fizer o diagnóstico melhor!

ASMA

A asma, tendo uma taxa de mortalidade relativamente baixa, é uma doença que causa muitos problemas pela sua clínica e forma de apresentação. Caracteristicamente, as crises são mais frequentes durante a noite, impedindo o descanso e o inutilizando o dia de trabalho seguinte ou a escola.

Nesta patologia, devemos identificar o fator desencadeante dos sintomas. Pode ser alergia a epitélios de animais de estimação, gatos ou cães, pode ser a ácaros, a pólenes ou pode ser a alimentos. Podem ser alterações emocionais que estão na génese das crises. A identificação do fator desencadeante é muito importante, porque a sua evicção leva ao desaparecimento das crises. Não da doença, mas da sua manifestação.

Atualmente, existem terapêuticas muito seguras. Com o seu uso assertivo e continuado, a asma passou a ser muito bem tolerada pelos asmáticos. Ainda assim, é necessário fazer a medicação preventivamente, conhecer o aparelho usado para a inalação e prevenir os contactos desencadeantes. O apoio médico é fundamental para prevenir a escalada em gravidade, que pode ter consequências graves.

OUTRAS PATOLOGIAS

Claro que, ao falarmos particularmente destes temas, pela sua frequência, gravidade ou importância, não esgotamos a multiplicidade de outras patologias respiratórias, as quais, na sua totalidade, foram a causa de morte de 13.305 pessoas em 2018 (11,7%). Devemos relembrar as pneumonias, a gripe, as fibroses, a tuberculose e tantas outras patologias que não podem ser esquecidas pela sua incomodidade e perigosidade, para depois voltarmos à DPOC e ao cancro do pulmão.

No primeiro caso (DPOC), para a referenciar como uma das principais causas de morte em doenças evitáveis, 2,5%, ou seja, cerca de 3000 por ano. Este número multiplica-se depois por 4: só 1/4 dos doentes com DPOC morrem com esse diagnóstico; os outros morrem por pneumonia, cancro ou doenças cardíacas, diagnósticos ligados também ao hábito tabágico. No segundo caso (cancro do pulmão), para relembrar que é uma das primeiras causas de morte oncológica.

Assim, a evicção tabágica – denominador comum – deverá continuar a ser um dos nossos primeiros objetivos enquanto agentes de saúde, a complementar com as espirometrias sempre que possível.

Numa palavra: não fume, faça uma espirometria. Afinal, são cinco!

Artigo publicado na edição de maio 2021 (nº 316)