A Secção Sul da Ordem dos Médicos acaba de divulgar a grande contradição da classe médica na atualidade: “nunca se formaram tantos licenciados em Medicina, mas temos cada vez menos médicos no Serviço Nacional de Saúde”, afirmou João Álvaro Correia da Cunha, médico atualmente reformado, antigo presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Secção Regional Sul da Ordem dos Médicos, no âmbito da apresentação do estudo “O que fazer de tantos médicos?”, de sua autoria.

Desenvolvido com o intuito de analisar a evolução demográfica dos profissionais de Medicina em Portugal, este estudo assinala alguns desequilíbrios no acesso à profissão: se a política restritiva de numerus clausus que marcou os anos 80 provocou uma carência de médicos no setor etário intermédio, a liberalização do acesso nos anos mais recentes levou a um aumento exponencial de novos médicos, desde 1992.

A este respeito torna-se urgente rever e planear a longo prazo o sistema de ensino e de acesso à profissão. “A revisão do numerus clausus é uma necessidade, já ambicionada há muito tempo pela Associação Nacional dos Estudantes de Medicina e pela própria Ordem dos Médicos. Este cenário deve-se ao facto de este ano ter começado a não haver vaga para todos os médicos de acesso ao internato”, refere Correia da Cunha. “É importante garantir, ao mesmo tempo, o acesso à formação pós-graduada, com orientadores de formação do setor etário intermédio e a qualidade na prestação de cuidados de saúde”, avança.

A feminização do setor é uma das características demográficas analisadas. É particularmente marcante nas camadas mais jovens, onde as mulheres representam o dobro dos homens em várias especialidades. “Entre 1996 e 2014, verificou-se uma gradual imersão de mulheres na classe médica, um pouco por todas as especialidades existentes, ascendendo a 51% face aos homens no mesmo grupo profissional. Inclusive nos escalões etários até aos 40 anos as profissionais do género feminino são quase o dobro dos seus colegas do género masculino”, afirma Correia da Cunha.

O estudo denuncia ainda fortes assimetrias regionais, sugerindo para a sua resolução a formação pós-graduada nas regiões e o incentivo à fixação de médicos ao nível regional. Também aponta desigualdades na renovação das especialidades, mais uma vez enfatizando a necessidade de planeamento a médio-prazo da profissão. Especialidades como a saúde pública encontram-se especialmente fragilizadas.

Finalmente, salienta-se que o SNS tem ainda uma posição nuclear no sistema de saúde, isto do ponto de vista dos profissionais médicos, porquanto a larga maioria está integrada no mesmo. Contudo, os números têm vindo a diminuir, o que é motivo para preocupação.

O excelente estudo de demografia médica apresentado pelo Dr. Correia da Cunha terminou com um apelo: planeamento! Planeamento das necessidades assistenciais das populações, planeamento dos recursos humanos. Isto porque o aumento do número de médicos ao nível nacional tem tido como consequência a existência de cada vez mais médicos sem especialização, a “proletarização da classe” ou a sua saída para o estrangeiro. Esta reflexão leva-nos a repensar todo este setor”, conclui Dr. Jaime Teixeira Mendes, presidente da Secção Regional Sul da Ordem dos Médicos.