Afirmar que a literatura erótica é uma terapia conjugal pode parecer absurdo. No entanto, se pensarmos que ler é um apelo à imaginação, o raciocínio já faz algum sentido. Neste artigo, sexólogos definem a ponte entre este género literário e a ajuda que poderá dar aos casais cuja chama esteja a arrefecer.
Não há como ignorar a dimensão sexual no relacionamento humano. É uma componente fundamental, um espaço onde expressamos intimidade, afetividade e ternura. É um modo de sentir e de se exprimir, vivendo o amor e as relações emocionais e afetivas. É o contacto, a relação corporal, psíquica e sentimental, é sonho e prazer. No entanto, é também sofrimento. É pressentimento do futuro, consciência do presente, com sentimentos que se cruzam de forma imprevisível, exigindo uma progressiva capacidade de compreensão e aceitação. Quando esta capacidade de relacionamento arrefece, esfria também a génese do ser humano. É então que se torna premente encontrar formas de aquecer o contacto entre pessoas que outrora juraram paixão.
Colocando de lado as terapias de casal, os aconselhamentos com amigos e familiares, os medicamentos, o recurso a filmes, brinquedos sexuais e fantasias para recuperar a chama, o que resta, nos dias que correm, para fazer vingar algo que homens e mulheres desejam? Parece que foram revistas todas as alternativas, mas resta, talvez, a mais antiga: a literatura erótica.
FANTASIA: PERSONAGEM PRINCIPAL
Erotismo é uma forma de estímulo sexual através de situações que conduzam ao pensamento sexual, não propriamente visualizando ou realizando o que foi proposto ou sugerido. Erotismo é, também, um conjunto de expressões culturais e artísticas humanas referentes ao sexo. A palavra provém do Latim “eroticus” e esta do Grego ‘”erotikós”, que se referia ao amor sensual e à poesia de amor. A palavra grega deriva de Eros, o Deus grego do amor, Cupido para os romanos, que com suas flechas unia corações.
Por seu turno, a literatura erótica teve uma origem muito diferente dos objetivos que agora serve. O Marquês de Sade, um dos autores mais “odiados” deste género, usou a linguagem política com contornos eróticos (por alguns, considerado pornográfico) para afrontar o clero e a monarquia, com o intuito de desmoralizar a corte francesa e a igreja, através de ilustrações de orgias nos palácios e conventos das freiras. Se bem que este autor recorria, amiúde, a ilustrações dos seus “devaneios”, o verdadeiro princípio da literatura erótica é a imaginação, o poder de criar algo à nossa imagem. Isto é o que suscita a leitura. E quando esta é de cariz erótico, é a fantasia que encarna o papel principal.
ERÓTICO OU PORNOGRÁFICO?
A distinção entre erotismo e pornografia é recente, sendo importante lembrar que devido a diferenças culturais, pessoais e sociais, até mesmo a delimitação daquilo que é considerado material erótico varia muito, em épocas diferentes e em diferentes meios dentro de cada sociedade. No entanto, não se pode confundir os dois conceitos. Pornografia é a materialização do sexo como ele é ou gostaria de ser, onde figuras do imaginário masculino e feminino se tornam tangíveis. Tanto o subconsciente masculino quanto o feminino são repletos de pornografia, mas os valores sociais não admitem a exteriorização do sexo de forma gratuita. Até porque a própria palavra pornografia tem uma conotação pejorativa desde a sua origem: em Grego, “porne” significa prostituta e “graphen” implica descrição.
É aqui que a literatura erótica ganha protagonismo, viajando por um mundo em tese proibido, que causa medo e excitação, fazendo o leitor libertar-se das amarras sociais, participando de um mundo fabuloso, talvez real, mas certamente intrigante.
Este é o grande valor da literatura erótica: despertar o que pulsa mais intensamente no inconsciente de cada um de nós.
REACENDER A CHAMA
O erotismo é uma forma de estimular o impulso sexual, o afluxo vital das energias sexuais que, embora semelhantes, não são iguais aos instintos. Por a sua manifestação poder sofrer influência externa, a literatura erótica explora a fantasia como uma mola propulsora da realização sexual, tão inerente ao ser humano, desde criança, com as brincadeiras de faz de conta, à velhice, apenas modificando a sua forma e conteúdo.
As fantasias sexuais são inevitáveis e saudáveis, tendo grande importância na vida sexual, pois alimentam uma parte do desejo e das motivações sexuais. É aqui que o género erótico literário funciona como terapia.
Não se pode dizer que a literatura erótica seja criada apenas com o único intuito de satisfazer neuroticamente o corpo, apesar de existirem livros escritos exclusivamente para esse fim.
A literatura erótica, na verdadeira aceção da palavra literatura, é uma forma de descrever a vida humana, do romance entre sexos e seria impossível relatar tais acontecimentos com personagens assexuadas, sob pena de excluir a humanidade.
A literatura erótica é, ou deveria ser, fantasia que, com a sua sensualidade, fornece ao leitor prazeres imaginados e que, por despertarem tais impulsos, podem funcionar como um despertar da mente para o sexo. Nesse sentido, ler romances, contos ou poemas em que as personagens se envolvem sexualmente, com descrições detalhadas, mas cuidadas, fazem o leitor “viajar” e pensar em atos sexuais.
Quando bem narrados, estes textos tornam-se altamente sedutores, chegando a mobilizar os leitores ou leitoras para a concretização da relação sexual, graças a um requinte artístico, onde a profundidade e o clima de paixão e enamoramento estão sempre presentes.
Se atualmente o sexo está vulgarizado, e até mesmo banalizado, o recurso a formas tradicionais de causar emoção, choque, espanto ou excitação parecem ser a resposta. E como refere uma das autoras mais conhecidas desde género literário, Anaïs Nin, “o erotismo é uma das bases do autoconhecimento (…)”, pelo que o leitor, ao conhecer-se, “arrancará” mais prazer aos outros e, consequentemente, sentir-se-á mais realizado fisicamente.
É uma “bola de neve”, que embora comece como um ato privado, íntimo e pessoal, rapidamente se pode tornar transmissível, acordando a parceira ou parceiro de uma apatia que, involuntariamente, pode implicar a destruição do casal como um ser uno e indivisível.