É indiscutível que a desinfeção ambiental é necessária em áreas de risco e em situações de surto ou pandemia e amplamente reconhecido que o uso adequado de desinfetantes contribui para o controlo de situações graves.

 

Artigo da responsabilidade de João Souto, partner da Zoono Ibéria

 

Podemos fazer recuar a importância da higiene e desinfeção das mãos no controlo de infeções à época dos pioneiros dos procedimentos antisséticos, cujas investigações ganharam visibilidade e impacto a partir de 1820. As conclusões e práticas resultantes desses primeiros trabalhos científicos ainda hoje se aplicam e previnem a propagação de um conjunto amplo de agentes nocivos para a saúde. Em contraste com a higiene das mãos, a relevância da desinfeção de superfícies (ou desinfeção ambiental) tem permanecido, em certa medida, algo controversa.

DESMISTIFICAR DÚVIDAS

Embora incluída em várias políticas e recomendações nacionais e internacionais no controlo de infeções, a desinfeção de superfícies tem sido tomada como “conveniente” em locais que, pela natureza das atividades que neles decorrem, estão mais predispostos à proliferação de microrganismos – é o caso dos hospitais com as infeções nosocomiais. Mas as evidências de que o aumento global da propagação de microrganismos multirresistentes está diretamente relacionado com a transferência entre superfícies e pessoas, em todo o tipo de locais (transportes, restaurantes, espaços de lazer, habitações) já não podem ser ignoradas e, face à pandemia que o mundo atualmente combate, as dúvidas que ainda persistem sobre o tema devem ser desmistificadas.

Preocupações como a toxicidade dos biocidas para os humanos e/ou o meio ambiente têm hoje respostas concretas em tecnologias com fórmulas à base de água, que demonstram em testes laboratoriais níveis de toxicidade semelhantes aos da vitamina C. Os riscos associados à utilização de biocidas depende, principalmente, do ingrediente ativo usado, sendo que, a par das soluções, também os métodos de cultura e as avaliações de perigo toxicológico evoluíram bastante nas últimas décadas.

Múltiplas espécies bacterianas (como o MRSA e o VRE) sobrevivem durante 4-5 meses, e até mais, em superfícies secas, sendo consistentes as provas de que pacientes admitidos em espaços anteriormente ocupados por outros casos de infeção demonstram riscos acrescidos de doença. Assumir que a transferência de microrganismos das superfícies para os humanos não está totalmente demonstrada é como duvidar da própria existência dos vírus simplesmente porque não são visíveis.

ABORDAGEM MULTIBARREIRA

Também a eficácia do desinfetante depende de uma série de fatores: os inerentes ao produto (concentração, formulação, solubilidade em água, pH), os inerentes à aplicação (o tipo de superfície, a temperatura e o tempo de contacto, o grau de humidade e o modo de aplicação – com ou sem ação mecânica) e os inerentes ao microrganismo.

Tanto o grau de interação como as vias de transmissão representam variáveis adicionais no cenário complexo que é a mitigação de riscos de transmissão de agentes patogénicos. Mas a necessidade de enquadrar políticas e procedimentos adequados à descontaminação de superfícies está à vista com a COVID-19 e a abordagem multibarreira tem-se destacado como um caminho de sucesso.

Dentro de uma abordagem multibarreira, as políticas de desinfeção ambiental são sustentadas por avaliações de risco para diferentes superfícies e por diretrizes específicas para diferentes medidas de limpeza, não descurando as próprias propriedades dos materiais e superfícies. A educação e a formação em procedimentos rotineiros de higienização também têm provado o seu valor estratégico, nomeadamente junto das camadas da população mais propensas a “resistir” à incorporação de novos hábitos – os jovens e os idosos.

OS AGENTES “CONTRA-ATACAM”?

Uma vez integrada no dia a dia, à semelhança do que aconteceu com a lavagem das mãos, a desinfeção de superfícies pode sugerir novas questões ligadas à eventual relação entre a resistência antimicrobiana e o uso dos biocidas: os microrganismos podem tornar-se resistentes aos desinfetantes? Qual a relação entre o uso de biocidas e a resistência das pessoas a certos medicamentos, como os antibióticos? Que outros fatores poderão contribuir para a redução da suscetibilidade dos microrganismos aos desinfetantes?

A compreensão atual sugere a possibilidade de ligação entre o uso de certos biocidas e as resistências citadas. Não é, contudo, possível fazer-se uma declaração final sobre os riscos de resistência, uma vez que o número de variações em estudo epidemiológico é considerável.

Seguro é dizer que o estabelecimento de protocolos-padrão, aceites para explicar o uso adequado do desinfetante e avaliar a exposição repetida ao mesmo, permitirão tirar mais conclusões. Nestes protocolos, a tendência é harmonizar os princípios básicos, padrões e técnicas para limpeza e desinfeção de superfícies, olhando à avaliação do risco de contaminação associado às superfícies.

A eficácia do produto, a dosagem, a validade, a forma de aplicação, a toxicidade e o potencial de resistência fazem parte dos standards previstos por estes protocolos, que carecem depois de avaliação de conformidade, para que possam ser integrados nos protocolos gerais de limpeza e desinfeção.

Quando os serviços de limpeza e desinfeção são terceirizados, os critérios de conformidade devem fazer parte de um acordo de nível de serviço, que prevê não só a formação dos colaboradores que vão implementar o processo, como medições, testes e auditorias que validem os resultados obtidos com a estratégia em curso.

CONSCIENCIALIZAR O PÚBLICO EM GERAL

Além dos diretores de hospitais, dos profissionais de saúde e dos políticos, é importante consciencializar o público em geral para a necessidade de procedimentos de desinfeção ambiental adequados a cada contexto – não se desinfeta uma parede de casa com a mesma regularidade que o volante da nossa viatura – e para as consequências adversas das falhas de conformidade, quando verificadas.

Uma melhor compreensão do papel das práticas de desinfeção, nomeadamente a que incide sobre as superfícies, incentivará também o aumento dos apoios aos custos de implementação de programas com garantias de qualidade e segurança.

Existem hoje boas evidências de que superfícies contaminadas contribuem para a disseminação de agentes nocivos. É indiscutível que a desinfeção ambiental é necessária em áreas de risco e em situações de surto ou pandemia e amplamente reconhecido que o uso adequado de desinfetantes contribui para o controlo de situações graves. Próximo passo: fazer da desinfeção uma rotina tão natural como lavar as mãos.

Leia o artigo completo na edição de outubro 2020 (nº 309)