O rastreio do cancro do pulmão em Portugal é um investimento que vale a pena? A Aliança para o Cancro do Pulmão, composta por sete entidades unidas pelo objetivo comum de reduzir a mortalidade, aumentar a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes com este tipo de tumores, dá resposta a esta questão, através de um estudo que o confirma: o rastreio é um investimento custo-efetivo, aumenta a taxa de sobrevivência e reduz os custos com os tratamentos mais avançados (1,2). Contas feitas, a implementação deste tipo de rastreio no nosso país poderia permitir salvar milhares de vidas (1).
Os números confirmam que o cancro do pulmão é agora a principal causa de morte por cancro em todo o mundo (3), com 75% dos casos diagnosticados em fases avançadas, onde a probabilidade de sobrevivência é muito baixa (4). Em Portugal, é a principal causa de morte por cancro: todos os dias, cerca de 17 portugueses são diagnosticados e cerca de 14 morrem devido ao cancro do pulmão (5).
Dados que justificam a atenção dada ao rastreio pela Aliança para o Cancro do Pulmão, composta pelo Grupo de Estudos para o Cancro do Pulmão, Liga Portuguesa Contra o Cancro, Ordem dos Médicos, Pulmonale, Sociedade Portuguesa de Cirurgia Cardíaca, Torácica e Vascular, Sociedade Portuguesa de Pneumologia e AstraZeneca. Este estudo adaptou localmente um modelo de custo-efetividade da implementação de um rastreio, tendo por base o protocolo de investigação e os resultados do programa NELSON (6,7), o maior estudo europeu sobre o rastreio do cancro do pulmão, que demonstrou um potencial de redução da mortalidade em 25% numa população de alto risco, após rastreio. (6)
“Este estudo resulta do esforço de muitas organizações (incluindo a Liga Portuguesa Contra o Cancro) que se reuniram no sentido de responder a uma questão atualmente em discussão e relativa ao impacto custo-efetividade da implementação de um rastreio de cancro do pulmão em Portugal. A prevenção do cancro do pulmão associando a redução do consumo do tabaco e a implementação do rastreio apontam para um impacto fortíssimo na redução do número de casos, grandes implicações no número de mortes resultantes e contribuindo para a sustentabilidade do Sistema Nacional de Saúde. Os resultados publicados neste estudo de investigação vêm demonstrar e reforçar, mais uma vez, que a investigação em cancro pode salvar a sua vida e da sua família”, explica o Prof. Rui Medeiros, um dos autores do estudo, investigador no IPO Porto e membro da Direção da Liga Portuguesa Contra o Cancro NRNorte e da Direção da ECO-European Cancer Organization.
No total, 13.271 mortes por cancro do pulmão poderiam ser evitadas, no horizonte temporal de 40 anos considerado no estudo, com a implementação do rastreio. (1)
O estudo conclui que o rastreio do cancro do pulmão melhora os resultados clínicos dos doentes, apresentando, ao mesmo tempo, custos adicionais aceitáveis.
“O rastreio do cancro do pulmão de base populacional é um meio comprovado que permite fazer o diagnóstico mais precoce e que salva vidas – os estudos mostram que salva a vida a cerca de 20% dos doentes com cancro do pulmão. É, ainda, um método, também comprovado, custo-efectivo – cujos benefícios clínicos e de qualidade-de-vida que se podem alcançar superaram os custos necessários à sua implementação. Não há motivo para atrasar mais a implementação de um projeto piloto no nosso país.”, adianta o Prof. António Araújo, diretor do Serviço de Oncologia Médica na ULS Santo António e Diretor do Mestrado Integrado em Medicina no ICBAS-UP.
São dados que, de acordo com os especialistas que realizaram a análise, “indicam que o rastreio do cancro do pulmão em Portugal deve ser a opção preferencial para o diagnóstico de doentes com cancro do pulmão, na população de alto risco, em comparação com o percurso clínico atual. Os resultados fornecem aos decisores informação que suporta a implementação de um programa de rastreio do cancro do pulmão em Portugal”. (1)
Recorde-se que o impacto económico atribuído ao cancro do pulmão de células não-pequenas, o subtipo mais frequente (85% do total de casos)(8) ascendeu a 143 milhões de euros em 2012, o que representava aproximadamente 0,09% do Produto Interno Bruto (PIB) português e 0,92% do total das despesas com a saúde (9). Nos últimos anos, o percurso do tratamento do cancro do pulmão, sobretudo para os doentes em fase avançada, mudou com a introdução de tratamentos inovadores que melhoram a qualidade de vida e as taxas de sobrevivência dos doentes com cancro, mas que também contribuem para o aumento dos custos de saúde.
“O cancro do pulmão continua a ser principal causa de mortalidade por cancro em todo mundo. Desde o ano de 2011 que é claro que o rastreio do cancro do pulmão em indivíduos de alto risco, reduz a mortalidade em pelo menos 20%. A União Europeia, desde 2022, considera haver necessidade de iniciar o Rastreio do Cancro do Pulmão na Europa. O estudo agora publicado prova claramente que o rastreio do Cancro do Pulmão é custo-efetivo em Portugal, cria valor em saúde e a sua implementação necessita só de 1/3 dos custos aceitáveis, de acordo com as recomendações da OMS para os rastreios. Torna-se assim inquestionável a implementação urgente do Rastreio do Cancro do Pulmão em Portugal.”, conclui Prof. Venceslau Hespanhol, pneumologista no Hospital CUF Porto e membro do Intercellular Communication and Cancer, Research Group, IPATIMUP.
Referências:
(1) Berge HT, el al. J Comp Eff Res. 2024 Sep 27:e240102. doi: https://doi.org/10.57264/cer-2024-0102
(2) Fernandes MGO, et al. Pulmonology. 2024 Aug 6:S2531-0437(24)00048-5. doi: https://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2024.04.003
(3) International Agency for Research on Cancer. GLOBOCAN Lung Cancer Worlwide Facts Sheet. Disponível em: https://gco.iarc.who.int/media/globocan/factsheets/cancers/15-trachea-bronchus-and-lung-fact-sheet.pdf , consultado em outubro de 2024
(4) Nooreldeen R, Bach H. Int J Mol Sci. 2021 Aug 12;22(16):8661. doi: https://doi.org/10.3390/ijms22168661
(5) International Agency for Research on Cancer. GLOBOCAN Portugal Facts Sheet. https://gco.iarc.who.int/media/globocan/factsheets/populations/620-portugal-fact-sheet.pdf
(6) Zhao YR, et al. Cancer Imaging. 2011; 11(1A): S79–S84. doi: https://doi.org/10.1102%2F1470-7330.2011.9020
(7) Pan X, et al. J Med Econ. 2024 Jan-Dec;27(1):27-38. doi: https://doi.org/10.1080/13696998.2023.2288739
(8) Zappa C, Mousa SA. Transl Lung Cancer Res. 2016 Jun; 5(3): 288–300. doi: 10.21037/tlcr.2016.06.07
(9) Borges M, et al. Value Health. 2014 Nov;17(7):A626. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27202212/