Em 2021, ocorreram progressos significativos no tratamento de alguns dos fatores de risco para as doenças cardiovasculares, a principal causa de morte da população portuguesa.

 

Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. Manuel Oliveira Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia

 

Embora as notícias sobre saúde nos últimos dois anos tenham sido dominadas pela covid-19, as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte da população portuguesa.

Aliás, verificou-se até um aumento da mortalidade cardiovascular, em grande parte, devido à diminuição da procura de cuidados em Cardiologia, causada pelo receio que os doentes tinham e ainda têm da pandemia viral. Segundo um estudo da Fundação Portuguesa de Cardiologia, isso verificou-se mesmo com os doentes que sabiam que sofrem de doença cardiovascular.

No entanto, ocorreram em 2021 progressos significativos ao nível do controlo das doenças cardiovasculares, que vale a pena assinalar.

  1. OBESIDADE

Estima-se que um terço dos portugueses têm obesidade e dois terços excesso de peso, um importante fator de risco de doença cardiovascular e de alguns cancros. Por isso, considera-se muito importante que um novo medicamento, o semaglutido, também usado há já algum tempo tratar a diabetes, tenha obtido em vários estudos reduções de cerca de 15% do peso corporal, resultados excelentes e mesmo semelhantes aos obtidos pela cirurgia bariátrica.

Este fármaco é administrado por injeção subcutânea, uma vez por semana, e já está disponível em Portugal.

2. DIABETES

As pessoas com diabetes têm um risco muito elevado de morte por doença cardiovascular. Por esse motivo, um dos objetivos da investigação da diabetes, nos últimos anos, tem sido a procura de fármacos que reduzam a principal causa de morte dos doentes diabéticos, ou seja, a doença cardiovascular. Uma nova classe de fármacos chamados SGLT2 – ou gliflozinas – estão a ser usados com sucesso no tratamento da diabetes, conseguindo reduzir significativamente a mortalidade cardiovascular.

Um dos aspetos mais positivos da terapêutica com este grupo de fármacos são os benefícios obtidos no tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. Um ensaio clínico realizado em 2021 com um dos fármacos deste grupo, a empagliflozina, conseguiu obter, pela primeira vez, bons resultados nos doentes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, a forma de doença mais frequente nas pessoas de idade, para o qual não se dispunha até agora de terapêuticas que reduzissem a mortalidade e as hospitalizações.

Existem atualmente quatro fármacos deste grupo terapêutico disponíveis em Portugal.

3. COLESTEROL

Os níveis elevados de colesterol no sangue são a causa principal das doenças cardiovasculares, nomeadamente do enfarte do miocárdio. Um novo medicamento para tratar o colesterol, o inclisiran, foi aprovado para uso terapêutico, em dezembro último, pela FDA, para tratar a hipercolesterolemia familiar, uma causa genética de colesterol muito elevado e difícil de tratar até agora com os meios terapêuticos disponíveis.

Este novo fármaco reduz o colesterol em cerca de 50 a 60%, bastando para isso uma administração por injeção subcutânea de 6 em 6 meses. Este modo de administração, devido ao seu efeito prolongado, permite ultrapassar o problema da adesão à terapêutica, tão frequente no controlo dos doentes com colesterol elevado.

É previsível que o seu emprego seja alargado a outros doentes com hipercolesterolemia, nomeadamente aqueles que sejam resistentes ao efeito terapêutico dos fármacos até agora disponíveis.

Espera-se que este fármaco esteja disponível em breve em Portugal.

  1. ASPIRINA EM PREVENÇÃO PRIMÁRIA

Considera-se que a aspirina pode estar a ser usada em excesso na prevenção cardiovascular. O que estudos mais recentes apontam é que não se justifica a prática de tomar um comprimido de aspirina diariamente para prevenir os ataques cardíacos, a não ser que que o doente tenha sofrido um enfarte do miocárdio ou um acidente vascular cerebral, tenha um stent colocado nas artérias coronárias ou o médico considere que o doente tem um elevado risco de vir a sofrer um evento cardiovascular.

Por outras palavras, no doente saudável (prevenção primária), o balanço benefício/risco não é favorável ao emprego da aspirina, pelos riscos, nomeadamente de hemorragia, não compensados por uma redução significativa de eventos cardiovasculares. Os riscos devem-se, sobretudo, às hemorragias do tubo digestivo, que podem ocorrer mesmo com doses baixas diárias de aspirina.

  1. VACINA DA GRIPE DE ALTA DOSE

A gripe e a pneumonia que a complica muitas vezes estão entre as 10 principais causas de morte em pessoas idosas. A maioria dessas mortes (70 a 85%) ocorre em pessoas com mais de 65 anos. Outras complicações da gripe, menos conhecidas, mas não menos importantes, são o enfarte do miocárdio e os acidentes vasculares cerebrais.

Hoje, sabe-se que, nas pessoas idosas, a gripe aumenta o risco de ataque cardíaco três a cinco vezes e de acidente vascular cerebral duas a três vezes, nas primeiras duas semanas após a infeção. Este risco mantém-se elevado durante vários meses. O risco de se sofrer um ataque cardíaco aumenta até seis vezes, particularmente nas pessoas idosas, durante a primeira semana após uma gripe.

Ser vacinado contra a gripe é a melhor maneira de reduzir o risco de enfarte do miocárdio ou de acidente vascular cerebral, bem como de outras complicações. No seu conjunto, os resultados protetores da vacina da gripe são comparáveis aos obtidos com intervenções bem estabelecidas, como a medicação da hipertensão, do colesterol elevado ou deixar de fumar.

No entanto, nas pessoas idosas, os resultados têm sido menores que nas pessoas mais jovens, devido ao seu sistema imunitário responder menos vigorosamente às vacinas. Para resolver este problema e melhorar a resposta, os produtores de vacinas têm vindo a desenvolver vacinas mais potentes, destinadas especificamente a ser utilizadas nas pessoas idosas.

Uma vacina de alta dose já disponível mostrou em vários estudos, nomeadamente num estudo em lares de idosos (o local onde se encontram as pessoas mais frágeis da comunidade), maior eficácia que as vacinas atualmente empregues.

Prevê-se que esta vacina esteja disponível em Portugal no próximo outono.

Leia o artigo completo na edição de maio 2022 (nº 327)