Se pensarmos no conjunto das doenças raras que, de acordo com as estimativas, contabilizam já entre 6000 e 8000 doenças distintas, é fácil perceber porque é que a doença de Gaucher, que é uma condição genética rara, não é muito conhecida. Mas esta doença configura um desafio clínico que afeta profundamente a vida dos doentes e das suas famílias.
Causada pela deficiência de uma enzima essencial ao metabolismo celular, que provoca a acumulação de substâncias tóxicas em diversos órgãos, com consequências que vão desde dores crónicas até complicações neurológicas, o diagnóstico precoce e tratamento adequado da doença de Gaucher são fundamentais para melhorar a qualidade de vida e evitar danos irreversíveis.
Artigo da responsabilidade da Dra. Anabela Oliveira. Especialista de Medicina Interna no Hospital de Santa Maria, Lisboa
Pertencente ao grupo das doenças lisossómicas de sobrecarga (DLS), a doença de Gaucher é causada pela deficiência de uma enzima glucocerebrosidase, também chamada β glucocerebrosidase, ou GBA, que existe nos lisossomas. Trata-se de uma doença hereditária, que exige, para o seu desenvolvimento, a herança de duas cópias do gene mutado, uma de cada progenitor, e tem uma incidência de 1:50.000 nados vivos na população em geral, o que ainda assim a torna a mais frequente do grupo das DLS.
São três os tipos conhecidos, que se distinguem pelo envolvimento ou não do sistema nervoso, sendo o tipo 1, sem este envolvimento, o mais frequente, que corresponde a 90% dos casos. Diagnosticada nas crianças e também nos adultos, provoca aumento do fígado e do baço; redução da hemoglobina, que dá origem a anemias; redução de plaquetas, o que causa hemorragias, e também uma queda do número de glóbulos brancos, o que se associa a um aumento do risco de infeções. Um conjunto de problemas aos quais se junta o envolvimento do osso, com quadros de dor óssea crónica que limitam mesmo as atividades da vida diária, assim como necrose do osso, osteoporose e maior propensão para fraturas.
Tal como acontece com muitas doenças raras, o diagnóstico nem sempre é célere. De facto, o tempo desde o início de sintomas e a confirmação do problema pode variar, indo de meses a anos, sobretudo nos casos mais ligeiros e atípicos. Atrasos que podem ter como resultado a progressão da doença, com lesões irreversíveis e complicações graves que comprometem a funcionalidade e a qualidade de vida do doente.
Uma qualidade que é impactada pelas manifestações de dor associadas ao envolvimento ósseo, pelo cansaço por anemia, pelas hemorragias por plaquetas baixas, pelos problemas pulmonares e por outras complicações tardias, como o aumento do risco de Parkinsonismo e doenças hemato-oncológicas.
Seguidos, em Portugal, em Centros de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo por equipas multidisciplinares, como os internistas, hematologistas, ortopedistas, pediatras, geneticistas, estes doentes são submetidos a exames regulares para monitorização da resposta ao tratamento, avaliação da progressão da doença e ajustes nas intervenções que, nos últimos anos, têm aumentado.
O foco dos avanços tem sido o diagnóstico, que quando realizado precocemente facilita o acesso a tratamentos eficazes e melhora os resultados para os doentes, evitando complicações graves, melhorando a qualidade de vida e permitindo um aconselhamento genético às famílias, mas também o tratamento, que consiste na administração, quinzenal ou mensal, por via endovenosa, da enzima em falta.
No entanto, o desconhecimento generalizado sobre a doença de Gaucher continua a ser um obstáculo à sua identificação precoce e ao acesso atempado aos cuidados adequados. Por isso, a sensibilização é essencial para ajudar a diminuir o estigma e a promover a investigação e o desenvolvimento de novas terapias, contribuindo para uma maior equidade no acompanhamento dos doentes e para a melhoria contínua da sua qualidade de vida.














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