Quase todas as doenças conhecidas podem atingir a mulher durante a gravidez, umas podem complicar acidentalmente e outras, ainda, são por ela diretamente determinadas.

A diabetes mellitus gestacional (DMG) é uma patologia de alto risco cuja prevalência tem vindo a aumentar nos últimos anos, sendo considerada, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2022), um dos 3 tipos de diabetes mellitus, sendo os outros dois a diabetes tipo 1 ou insulinodependente e o tipo 2 não insulinodependente.

Artigo da responsabilidade da Enfª. Ana Cristina Almeida Santos Oliveira. Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia, no Aces Dão Lafões – UCSP de Sátão, Viseu. Mestre em Toxicodependências e Doenças Psicossociais. Pós-Graduação em Gestão e Administração de Serviços de Saúde. Doutoranda em Enfermagem da Universidade de Lisboa/Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (ESEL). Sócia da  www.girohc.pt/

 

 

 

Sendo considerada uma das complicações médicas mais frequentes na gravidez, a DMG é definida como uma anomalia da tolerância aos hidratos de carbono, de gravidade variável, que surge ou é diagnosticada pela primeira vez no decurso de uma gravidez (Paiva et al., 2022). Surgindo graus variáveis de hiperglicemia materna na gestação, aumenta a morbidade e a mortalidade materna e fetal. Que, segundo Friel (2023), podem ser quando há um descontrolo da diabetes pré-existente (pré-gestacional) ou gestacional durante a organogénese (até aproximadamente às 10 semanas da gestação) o aumento do risco de: malformações congénitas e o risco de morte fetal in utero. O controlo deficiente da diabetes mais tarde na gestação aumenta o risco de: macrossomia (peso fetal > 4.000 gramas ou > 4.500 gramas ao nascimento), pré-eclampsia, hipoglicémia neonatal, traumatismo de parto (distocia do ombro), parto por cesariana e onatimorto (Friel, 2023).

Podemos referir, então, que perturbando de maneira mais ou menos evidente a gravidez, a diabetes mellitus prejudica comummente o feto e pode provocar a sua morte. Não decorrendo a gravidez até ao fim, surge um impacto traumático que o diagnóstico de aborto ou morte fetal pode causar, associando-o à impossibilidade de o casal vir a ter um filho.

A perda gestacional é, assim, para o casal um evento traumático que altera o percurso de vida do mesmo. Sendo o impacto dessa perda nos pais devastador e implica o início de um longo pesadelo. No período após a perda gestacional, os pais experimentam um processo de luto que os afeta a nível biopsicossocial e espiritual. Estes podem experienciar depressão, ansiedade, transtorno de stress pós-traumático, transtornos alimentares e de sono, isolamento e perda de fé, entre outras manifestações.

Há a ideia que nas situações de perda perinatal o sofrimento dos pais é subestimado, esperando-se que estes recuperem imediatamente da perda, porque é sentida como sendo uma perda menor do que seria no caso de morte de um filho após o nascimento (Martínez-Serrano et al., 2019). Um dos fatores que faz com que essa perda seja acompanhada de um tipo de luto diferente de outras perdas é o facto de fazer parte de um processo socialmente oculto e pouco compreendido, mesmo pelos profissionais de saúde. Embora a literatura específica demonstre que o processo do luto inclui vários momentos e perspetivas, a perda gestacional é um acontecimento inesperado e altamente angustiante para os pais, que requer intervenções dos profissionais de saúde que ajudem cada casal, tendo em conta as suas características e individualidade, a ultrapassar esta fase da sua vida.

Quando um casal sofre uma perda gestacional é importante e necessário que o profissional de saúde saiba responder aos seus sentimentos e receios. Assim, ao incentivar o casal a expressar os seus sentimentos e ficar com eles nesse processo, o profissional de saúde ajuda o casal a manter a crença e a dar-lhe a sensação de que têm pelo menos uma quantidade mínima de controlo da sua situação. Deve também incentivar o casal a ter o parceiro presente, para que juntos possam resolver essa situação difícil, apoiando-se. Como resultado, o casal e o profissional de saúde são capazes de alcançar um significado positivo de uma experiência de vida difícil. O apoio dos profissionais de saúde aos pais enlutados, a sua participação na perda, a expressão de sentimentos e de emoções, a utilização de métodos de distração, sessões de grupo, apoio social, prática de atividade física e educação familiar foram as intervenções mais eficazes (Lizcano Pabón et. al, 2019).

Neste sentido, o papel da equipa multidisciplinar deve passar por promover o acompanhamento da grávid,a realizando um rastreio e diagnóstico da diabetes gestacional, controlando as glicémias, com dieta e eventualmente insulinoterapia, e incentivar a prática de exercício para melhorar o prognóstico. Possuírem um maior conhecimento sobre os fatores de risco da DMG, que podem ser a história familiar, idade materna avançada, doenças como a hipertensão arterial e obesidade, por forma a prevenir esta patologia (OMS, 2022). E ainda promoverem o acompanhamento da mulher/casal perante um processo de luto, numa situação de perda gestacional, uma vez que os profissionais de saúde são uma das principais fontes de apoio ao casal, implementando intervenções que possam ajudar os pais e os membros da família no processo de luto (Paraíso-Pueyo et al., 2021).

Assim, as evidências revelam a importância de uma comunicação terapêutica por parte do profissional de saúde, muito apoio, centrando as intervenções em ambos os membros do casal, recorrer à escuta ativa, estar presente (quando apropriado). Cada casal é diferente quando se trata da forma como lidam com a sua situação clínica. Assim, é imperativo para o profissional de saúde avaliar como cada membro do casal quer ser acompanhado durante este processo.

Conclui-se que o assunto abordado é de suma relevância para os profissionais de saúde, que cuidam da mulher/casal que é diagnóstica com a diabetes mellitus gestacional, e pode passar pelo infortuno de perder o seu filho.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Friel, Lara A. (2023). Diabetes mellitus na gestação – Manual MSD – Versão para profissionais de saúde. Disponível em: rhttps://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/ginecologia-e-obstetr%C3%ADcia/gesta%C3%A7%C3%A3o-complicada-por-doen%C3%A7as/diabetes-mellitus-na-gesta%C3%A7%C3%A3o
  • Lizcano Pabón, L. D. M., Moreno Fergusson, M. E., & Palacios, A.M. (2019). Experience of Perinatal Death from the Father’s Perspective. Nurs Res.; 68(5), E1-E9. doi: 10.1097/NNR.0000000000000369.
  • Martínez-Serrano, P., Pedraz-Marcos, A., Solís-Muñoz, M., & Palmar-Santos, A.M. (2019). The experience of mothers and fathers in cases of stillbirth in Spain. A qualitative study. Midwifery.; 77, 37-44. doi: 10.1016/j.midw.2019.06.013.
  • Organização Mundial da Saúde (OMS). (2022) Relatório Mundial sobre a Diabetes. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254649/9789243565255-spa. Pdfsequence=1&ua=1
  • Paiva, I., Araújo, B., Paiva, S. (2022). Diabetes Gestacional: evolução dos critérios de diagnóstico e terapêutica. Revista Portuguesa de Diabetes. 17 (2):47-53p. Disponível em http://www.revportdiabetes.com/wp-content/uploads/2022/06/RPD_Junho_2022_Perspectiva_47_53.pdf
  • Paraíso-Pueyo, E., González-Alonso, A.V., Botigué T., Masot, O., Escobar-Bravo, M.Á., Lavedán-Santamaría, A. (2021). Nursing interventions for perinatal bereavement care in neonatal intensive care units: A scoping review. Nurs. Rev.; 68:122–127. doi: 10.1111/inr.12659.