Artigo da responsabilidade da Dra. Vitória Cunha Especialista em Medicina Interna, secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, coordenadora da Consulta de Hipertensão Arterial do Hospital Garcia de Orta e coordenadora da Unidade de Hospitalização Domiciliária do Hospital Garcia de Orta.

 

 

 

 

A adesão terapêutica é um conceito pelo qual tem crescido particular atenção nos últimos anos, felizmente, por se assumir finalmente que é das principais causas do mau controlo da hipertensão arterial (HTA) em todo o mundo. E importa continuarmos a falar sobre esta dificuldade em atingir os alvos de pressão arterial, isto é, o controlo da doença a que chamamos hipertensão arterial ou tensão alta, pois a HTA continua a ser o principal fator de risco para as doenças cardiovasculares, que são, por sua vez, a principal causa de morte em todo o mundo – falamos de cerca de 18 milhões de pessoas, por ano, que morrem de doenças cardiovasculares como o enfarte ou o AVC!

Em 2019, um grande estudo que analisou mais de 100 milhões de pessoas em 184 países, encontrou mais de 1,3 mil milhões de pessoas com hipertensão, sendo que destas quase metade não sabiam que tinham a doença, metade estavam sem tratamento, e o controlo em alguns países não chegava a um quinto dos doentes.

Por outro lado, continua-se a verificar que mais de um terço das pessoas a quem se passa medicação para a tensão não a toma ao fim de 6 meses, e cerca de metade suspende a medicação ao fim de um ano! Todos estes números são suficientemente chocantes para nos preocupar e perceber que temos sem dúvida de melhorar o controlo de uma doença tão simples de diagnosticar (é só medir a tensão com um aparelho fácil de usar) e tratar (há cada vez mais medicação possível de usar, eficaz e barata), com remédios eficazes. Basta tomá-los regularmente: aderir à terapêutica.

Parece simples esta questão de tomar a medicação. No entanto, visto que a HTA é uma doença crónica e que não causa sintomas (a não ser quando temos as complicações graves e potencialmente fatais como o enfarte e o AVC), a maioria das pessoas esquece-se, ou acha que não sentindo nada não é importante tomar todos os dias, ou nem mede a tensão para perceber se há realmente efeito.

São aspetos frequentes e compreensíveis, em especial se por acaso o médico não explicar que é importante manter a tensão abaixo dos 140/90mmHg (idealmente abaixo dos 135/85 e o mais próximo possível dos 130/80), e que quando isto não acontece ao longo de algum tempo é muito provável que haja complicações cardíacas como o enfarte, complicações cerebrais como o AVC e a demência cada vez mais cedo na vida, os problemas renais que podem culminar na necessidade de hemodiálise, os problemas oculares que podem levar a cegueira, os problemas arteriais que podem levar a disfunção sexual, entre outros.

Também é importante perceber que é necessário tomar a medicação diariamente; hoje em dia, há muitos medicamentos que apenas é necessário tomar uma vez por dia para serem eficazes, os efeitos adversos são cada vez menos significativos, e os preços também mais acessíveis – se alguma destas questões for uma das causas para a não adesão ou para os esquecimentos, deve ser conversada com o médico para se poder encontrar a melhor solução para cada pessoa.

Hoje em dia, é possível de certa forma individualizar a terapêutica, por forma não só a cobrir todos os aspetos da doença, mas também adaptar aos horários/rotinas, por exemplo. Há também vários “truques” para ajudar na adesão, desde encontrar a melhor hora para rotinar esta toma da medicação (lavar os dentes, beber o café da manhã, deixar o medicamento na mesa de cabeceira, etc.), colocar uma lembrança no telemóvel, preparar uma caixa semanal, etc.

O papel do médico também pode ser melhorado noutros aspetos: é fundamental saber comunicar com o doente, explicar o que é a HTA e quais as consequências do seu mau controlo, prescrever medicação adequada a cada doente e se necessário juntar vários medicamentos num só comprimido para facilitar as tomas e aumentar a eficácia.

Por outro lado, o doente deve ser responsável pela monitorização da sua doença: medir regularmente a tensão, conhecer e registar os seus valores, tomar regularmente a medicação, sozinho ou com ajuda da família.

Obviamente que melhorando sistemas de saúde, nomeadamente com mais e melhor acesso a consultas, mais tempo e condições para avaliar cada doente, mais acesso aos medicamentos e aos sistemas de monitorização, melhores infraestruturas e mais formação aos profissionais de saúde, programas nacionais de treino e reconhecimento, e o caminho para a digitalização e telemonitorização… seriam tudo estratégias que também iam contribuir para a melhor adesão terapêutica.

Assim se percebe que existem questões dependentes dos médicos, dos doentes, e do próprio sistema de saúde, relacionados com a não adesão terapêutica. Mas refletindo bem sobre cada uma destas questões, penso que se conseguem encontrar soluções relativamente simples e que terão grande impacto da doença, na melhoria da qualidade de vida, e na redução da mortalidade por doença cardiovascular.

Se cada um fizer o seu papel, tendo consciência do que é a HTA, das consequências do seu controlo, da importância de medir a tensão e como o fazer, da simplicidade que é tomar a medicação diariamente e que ferramentas usar para conseguir fazer disso rotina, em particular usando medicamentos adaptados a cada doente, de preferência com apenas uma toma por dia, se necessário com vários medicamentos num só comprimido, e de preço acessível… a receita para o controlo da HTA está feita!

Como dizia um famoso médico: “a medicação só funciona quando é tomada” (E.Koop, 1985).